Cheiro de saudade

Enquanto se beijavam com beijos

inexplicavelmente deliciosos e cheios

de palavras não ditas e sim sentidas

a pintura de um cavalo os observava.

Estava em movimento e pendurado acima da cabeceira da cama

E querendo ou não já fazia parte da cena.

E foi aquele ser estampado em tela

dividindo sua atenção em duas metades

Era como se corresse para o alvo a sua frente

e ao mesmo tempo tecesse seu olhar para baixo

freando seus galopes para analisar o que ali ocorria

Porque era bonito o que acontecia

visto que havia desejo, cumplicidade,

pele de mesma cor em atrito.

Mas era peculiar

porque mesmo antes de se ausentarem um do outro

no gosto do beijo

e em cada abraço

já havia ali cheiro diferente.

E hoje entende-se muito bem

porque o equino corria.

E foi esse o motivo: estando dessa maneira fazendo parte

de um momento assim tão secreto,

foi a única testemunha do que ocorria

e imaginou que não queria ser mais tarde interrogado

sobre o porquê de sobressaltar

no toque de um no corpo do outro

raios tão intensos feitos de uma energia diferente

E então corria

porque lhe embriagava de forma melancólica

perceber que depois daquele dia

um outro igual aquele quiça não existiria.

As cores dos dois combinaram-se

Sua mão quente passeando na cintura dela encontrava os ossos do quadril num aperto bom de ser sentido

e em todo canto,

perguntas,

desejos

delírio.

Mas era peculiar

porque mesmo antes de se ausentarem um do outro

no gosto do beijo

e em cada abraço

já havia o que realmente não há entre dois estranhos.

E foi aquele ser estampado em tela

dividindo sua atenção em duas metades:

corria para o alvo e insistia no que havia

entre aqueles dois.

E era bonito o que ali acontecia

porque ali já havia cheiro de saudade.

Mirela Lourdes
Enviado por Mirela Lourdes em 18/04/2020
Reeditado em 27/04/2020
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