POSTEI E SAÍ CORRENDO

Hoje estou mais telúrico que antes.

Ansiava ver a construção das nuvens de chuva,

Medir a velocidade da luz do sol até a terra,

Entender como essas estrelas penduradas sobre o nada não caem na minha cabeça.

Mas hoje estou mais telúrico que antes.

Como deveria ser voar como a águia e o condor?

Qual a sensação a lua tem ao ficar "Nova"?

A terra não fica tonta girando e "transgirando"?

Porém... Não penso tanto nisso. Estou mais telúrico que antes.

Olha essa estrela cadente! Tão decadente...

Que desejo ela pode realizar? Ela nem ouve.

Não vou jogar mais minhas moedas de vinte e cinco centavos em fonte nenhuma.

Que desejo se cumpriria?

Qual gênio da lâmpada aparecerá, se todas as lâmpadas da minha casa vivem queimando?

Hoje... sim. Telúrico.

Se ao menos eu pudesse...

Desprender-me desse corpo fraco e preguiçoso,

Que não aguenta chutar com o dedo mínimo o pé da cama,

Ou essas emoções tolas,

Que se debatem pela menor crítica possível.

E essa mente? Nunca está certa de nada.

Só acerta quando é pra duvidar,

Afinal a dúvida é permitida a tudo e a todos. Até pra mim.

Vejam só. Até pra mim...

Ai ai. Telúrico, sim. Telúrico.

Minhas roupas são apenas roupas.

Não são mais fantasias de herói só porque coloquei o pano de prato atrás da gola da camisa,

Ou porque imitei o golpe daquele herói que eu gostava.

T-e-l-ú-r-i-c-o.

Os doces até foram perdendo o açúcar mais rápido.

Esse chiclete mesmo... ele durava mais tempo.

E eu ainda conseguia fazer bolinhas com ele.

E esse papel higiênico?

Que tanto fiz de teia de aranha nos tetos do meu banheiro.

Tão Telúrico,

Que de repente me vejo encantado pelo novo que terei que abrir a carteira pra ter.

Ou pelo velho que precisarei aprender a reformar.

E se não reformar, ainda terei o trabalho de tentar vender pelo preço mais acessível possível.

Ou só jogar fora mesmo e comprar outro.

Meus cadernos? Não posso mais.

São telúricos. Lembra?

Aqueles rabiscos infames que nem Picasso entenderia,

Aquelas flores tortas, minha casa dos sonhos, sem móveis que eu tanto sabia fazer tendo jardins e nenhuma outra casa do lado.

Embora eu more num puxadinho... e pague aluguel.

Cachorro hoje é sujeira.

Gato hoje é maldição.

Futebol hoje é arte.

Mas a maior arte que eu fazia era pular o portão da vizinha e pegar a bola antes do cachorro.

Minha perna que o diga.

Quantos tampões ficaram plantados no chão.

E hoje... o que colhi?

E aquela menina?

Aaaahhh. Ela que me despertava a vontade de ser Shakespeare, Da Vinci, Beethoven, Pavarotti, e principalmente o Clark Kent ou o Homem Aranha.

Hoje... sou só telúrico.

Ela também. Ela faz psicologia...

E não gosta mais daquele chiclete.

Telúricos.

Meus olhos hoje são telúricos.

Meus passos são telúricos.

Minhas mãos e meu tato são telúricas.

Até meu português falado e escrito e telúrico,

"Veja bem!"

Só meu coração ainda teima...

Teima com essa vontade de voar.

Teima com essa vontade de gritar.

Teima com essa vontade de ser o campeão do mundo,

E desbravar o inexistível, o inexplorado,

E tudo que for "inex".

A última vez que eu deixei meu coração sozinho,

Ele fez uma zona.

Inscreveu-se para um curso que eu nem queria.

Mandou mensagem marcando uma saída que eu nem iria.

Tirou fotos em lugares normais com uma alegria que eu não sei de onde viera tanta alegria.

Sem legendas.

Lembro a vez que ele ficou sentado na praça. Sozinho.

Serelepe que era, começou a brincar com as crianças.

Espalhar as folhas do Chão com os pés.

Tentou arrancar as mangas do pé com um cabo de vassoura,

Mas eu nem como mangas, meu Deus!

Dei uma surra nele.

Quem ele pensa que é?

"Comporte-se como gente!"

Mas ela ainda teima.

Quando cheguei em casa do trabalho,

Achei meu caderno em cima da mesa.

Sim, aquele caderno. Aquele mesmo.

As paginas amassadas e as linhas azuis quase roxas e desbotadas. Linhas saindo das linhas.

E tava escrito isso tudo.

Não fui eu quem escrevi.

Eu não tenho tempo sequer de consertar aquela janela,

Que dirá perder tempo... escrevendo isso aqui.

E o que é pior:

No final dos versos estava escrito:

ADEUS!

Hoje mesmo... fui atrás dele.

Não vejo a hora de encontrar ele de volta.

Mas ele não gostava de ir onde vou.

Ele não estava nos lugares que eu frequento.

Perguntei para meus conhecidos...

Ele não gostava deles. Ou pelo menos da maioria.

Sei lá pra onde foi.

Meus lugares, amigos e tudo meu é tão...

Telúrico...

Que ele decidiu partir.

Decidi escrever também.

Não sou tão bom quanto ele.

Mas enviei uma carta.

Sim. Isso é uma carta.

Se não era vai virar.

Depois apago o desnecessário.

Mas é mesmo necessário apagar o desnecessário?

Pra quem é desnecessário?

Ok. Chega.

Já escrevi bastante.

Morro de vergonha se alguém ler isso.

Mas se alguém ler, por favor.

Se achar meu coração,

Diz pra ele que estou com saudades.

Pois descobri que na cova,

Tudo meu será telúrico.

E apenas ele,

Pode me fazer perder o medo,

Do telúrico me engolir.

Avisa ele...

Que falta um pedaço.

Falta ele.

É que eu precisava dela.

Eu precisava do emprego.

Eu estava cansado no dia.

Bem... ele não vai voltar.

Mas se alguém encontra-lo, avisa a ele.

Que eu aprendi que hoje estou mais telúrico que antes.

Pois quando ele foi embora,

Morri... e não sei viver mais.

Se você voltar, prometo que toda a minha formalidade,

Será apenas pra dizer:

"Sim senhor, coração. Escreve nesse chão telúrico,

O que o mar da morte não apaga da praia da vida."

Leandro Severo da Silva
Enviado por Leandro Severo da Silva em 29/08/2019
Reeditado em 29/08/2019
Código do texto: T6732122
Classificação de conteúdo: seguro