turista

Não me recordo estar presente e existente nos minutos desperdiçados e esquecidos. Não há um traço de passado ecoando em minhas lembranças, dando-me nostalgia por estar revivendo tempos que nunca voltarão.

Anos entorpecidos pela ilusão de presença, não estive aqui, não estou aqui, não estarei aqui mesmo se a culpa e a verdade cair sobre meus ombros, fazendo-me sentir o peso doloroso de tudo o que encarei num longo contato visual e neguei na mais profunda camada da alma.

Essas paredes vazias, muros rachados, vidros quebrados e céu marginalizado pela poluição trazem o ressentimento de não ter vivido a parte temporal cujo houvera harmonia entre todas as coisas intactas. Apenas a conformidade que vem com o tempo fará com que tudo seja aplicado a um só derradeiro sentido.

Numa involuntária liberdade, indesejada por não saber verdadeiramente o que é ser livre se nunca ao menos pude estar preso às correntes do meu ser. Não sei o que é almejar a recompensa que vem da dor, poder sentir e ter a certeza de que no fim da tempestade haveria um arco-íris e uma disposição ensolarada iluminando-me de fora pra dentro.

Lá no fundo, sou um personagem desta história, meu nome está escrito em seus parágrafos, tive minha jornada do herói apenas para voltar ao ponto inicial, como se a insurreição contra as partes obsoletas de mim fosse apenas uma chave para a fatídica reviravolta que o mal venceria no final. Esta tragédia agridoce não possuiu lição de moral, filosofia ou significado maior por trás de cada provação e sacrifício.

A única certeza que corrói a mim é aquela da total indefinição assoladora em todas as partes que constituem o apático e incompreensível eu. Talvez eu fosse alguém feliz aqui, alguém que seria um explorador de sensações estrangeiras, assim como nocivas. Talvez tivesse graça a vivência ao caminhar por dias clandestinos até que não houvesse mais nada para se extrair deles. Eu seria um aluno de tudo o que a vida pudesse me ensinar a partir de cicatrizes e tropeços, não jogaria fora seus ensinamentos.

Sou um turista destas terras desconhecidas, não há sequer uma coisa que eu saiba na estranheza deste lugar. O que sou por trás de máscaras e falsas identidades é o enigma central o qual se propositam minhas resistências. Infinito de incertezas e de incoerências, fruto de um atípico ordinário, em disfarce, em espreita entre vultos de uma multidão intangível.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 18/03/2019
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