Janeiro de 2019
Quando eu nasci esse menino frouxo
Tudo era passado, pós-gauche, pós-anjos
E já nos falavam de um ozônio condenado
Já nos diziam que as coisas estavam fadadas ao fim
Cínico e inexorável, e que nada importa mais, garoto,
Sob esse céu constelado de satélites, a história já passou.
Antes da minha vinda, o mundo já tivera ditadores
Já sofrera dores, já matara por amor a Deus
Ou a bandeira, ou ao dinheiro ou ao mero sabor de matar,
Mas de modo sincero, não como hoje o fazem, a dissimular.
Caminho por entre as vozes, navego os turbulentos mares de ódio.
Palavras se misturam num zumbido baforento, ecos,
Falam de maquinas que repetem os homens e são mais ouvidas
Que os homens.
As ruas estão vazias. As praças estão vazias. As palavras estão vazias.
E afiadas.
Toda lágrima é um plágio.
Ainda assim o que nos resta a não ser a busca mais lunática
Por qualquer resquício de lucidez?
O que nos resta a não ser lutar até o ultimo instante, kamikazes deslizantes
Na batalha mais perdida, dissimulando nós mesmos,
Para ter coragem de ver nascer outro dia
E abrirem as portas da próxima loja a vender estimulantes.
Carlos, eu ainda procuro a flor que vá romper essas mil camadas
De concreto e dor
De mentira e medo
De ignorância e solidão
Mas dizem que o cimento é a nova revolução.