Em Memória De Tudo Que Foi Vivo

A poesia morreu em mim.

Findaram-se os versos,

As rimas,

As vírgulas,

Os travessões,

Reticências

E,

Concomitantemente,

Perdi-me

Em meus pontos finais.

Perdi-me,

Como perdi minha infância,

Lá pros tempos onde eu era garoto

E brincar com a terra

Era

Uma das formas de ser feliz.

Perdi a juventude.

Esta se foi junto aos erros que não cometi.

E não os cometi por medo.

Em certas noites,

Recordo-me dos amores que não beijei,

De todas as coisas não ditas —

E ainda que não ditas,

Soam como gritos pedindo socorro

Dentro da parte oca

De minha cabeça.

Também me envergonho

De todas as vezes em que fui cínico.

— Um cinismo idiossincrático

Este meu.

Morreram em mim os sonhos.

O último que tive,

Escondeu-se sob os móveis da casa,

E numa noite onde chorei,

Ele se foi.

E se foi queixando-se:

De como usei minha boca

Para vociferar ousadias,

De como usei minhas mãos

Para satisfazer-me, não por prazer,

Mas puro tédio.

Ele se foi citando meus olhos

Gastos com estas visões corriqueiras

Das quais não mais questiono ver

Todo e todo e todo dia.

Perdi o amor.

O deixei ao lado de minha última paixão.

Por não conhecer minha existência,

Ela o abandonou,

Assim, como se abandona um cão na rua.

Perdi o choro.

Ah, este choro que nunca chorei,

Que nunca senti o salgado de suas gotas

E o calor saído de dentro do meu corpo.

Talvez por nunca tê-lo chorado,

É que é evidente esta dor.

Perdi meu sorriso.

Este foi o momento mais difícil

Até aqui...

Percebi a perda enquanto dormia,

Não no exato momento em que dormia,

Mas ao acordar

E notar que não seria todos os dias

Que eu agradeceria

Estar acordado.

Por último,

Perdi a vida...

Em minhas costas mora um grão,

Um pequeno e inocente grão —

Sobra de quando ainda era menino

E brinquei feliz

Na areia.

Este grão

Carrega o peso de todas as minhas escolhas.

E este peso

É infinitamente maior que meu desejo

De viver.

E,

Meu desejo de viver

É

A última morte que tenho a morrer.

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Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 28/02/2018
Reeditado em 28/01/2019
Código do texto: T6266436
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