Amélia
Amélia olha para trás e enxerga frustrações obstinadas,
a tentativa falha,
sempre falha,
de tentar achar-se em algum lugar.
Quando menina, pequenina,
Coleciona brincadeiras de solidão,
enche os bolsos de sonhos,
pra comer antes do almoço,
escondido da mamãe.
Anda pelas beiradas,
sempre pelas beiradas,
Arma planos infalíveis para enganar a si mesma,
Pra depois,
rir da comédia trágica enquanto come pipoca doce.
Lê contos poéticos,
de olhos bem atentos,
cria planetas de alfabeto,
orbitando em torno da palavra certa.
Tem medo avó morta,
mais viva do que nunca,
no porta-retrato amadeirado,
cor caixão.
Juventude,
transviada,
Coágulos de incertezas sempre ao seu redor,
diálogos presos nas particularidades de muitos universos que os humanos são.
Felicidade resumida em cortes de cabelos turvos
chororo após noite de bebedeira assumida em luau,
overdose de julgamentos opacos.
Camisa listrada, cheirando linha reta,
pele fria, cabelos longos, lábios sempre a postos.
Configurações poéticas e poesias artificiais para impressionar charlatões descolados.
Vida breve,
Saudade emergente,
peças do jogo de jantar, (presente daquele casamento)
se perdendo na amargura da vida 'mansa'
Amélia, se balança,
Enquanto espera os tímidos raios de sol do inverno brasileiro.
Engaja-se de ajudar os outros,
mesmo com trinta e poucos
e já dormindo só.
Há segredos que até os grandes mestres desconhecem,
Ela pouco se entristece,
Deixa um legado duradouro para os filhos tão queridos,
A beleza envelhecida,
tricota pensamentos enrolados e tortuosos.
Pega firme no terço, abusa do catolicismo,
Dá telefonemas para os filhos,
mas acaba caindo na caixa postal,
deixa recados jamais respondidos,
engaveta seus textos de desespero e solidão compreensível,
relembra dos mundos silábicos,
invoca a semântica ensinada por papai,
Descalça,
caminha pelo jardim,
pisa na grama molhada e sente o tempo.
Sente o tempo.
Sente a si mesma pela última vez.
Agora,
Encontra-se presa no porta-retrato cor caixão, amedrontando sua amada netinha.