Princípio do não-estar
No princípio:
Não estou.
No meio:
Não estou.
No final:
Aí estou.
Não sou próclise,
Não sou mesóclise:
Sou ênclise.
Não sou princípio de nada, nem o meio de algo.
Sou o fim de tudo; conhecendo meu mundo.
As profundezas me pertencem sob o penhasco alto.
As montanhas me observam no vale profundo.
E se por um acaso com algum respeito falto,
As consciências de tudo me condenam: pensamentos imundos!
Guardo palavras de coisas, substantivos, em um álbum.
Mas não posso impedir que o amarelo tome conta de tudo, contudo.
Vejo palavras, ouço um áudio:
"Tudo o que existe veio do nada e no nada há tudo."
A chuva seca lava tudo o que amo:
Empoeirado está limpo e o chão está sujo.
Fecho os olhos e limpo com um pano
Palavras borradas em meu coração puro.
Desde que o princípio acabou, faz anos
E desde que a luz se foi estou no meio do escuro.
Sem sentido, faço planos
E sozinha, perdida, vago sem rumo.
Nos últimos dias tenho tido sonhos insanos
Os quais tento desvendar: mas como pensa um burro!
Como no início de tudo, termino em prantos!
Eis porque sou fim; e não começo dos mundos!
Porque no princípio eu canto,
No meio eu amo
E no final ouve-se um pranto.
Não há portanto
Nenhum santo
Que amo tanto
E disso me espanto
Pois no princípio não posso estar
No meio não posso esperar
E no final.. não posso mais amar.
Não conjuguem verbos após meu substantivo
Não criem minhas frases enquanto vivo
Não me façam viver se para isso não há motivo
Não me tragam pessoas com quem não convivo
Pois não quero mais criar ações
Nem frases e nem orações
E vidas de ilusões, sem razões
E estranhos que vivem em porões
E, se depois do final, não chegar ao começo
Se depois da corrida ainda houver o tropeço
Que o mundo saiba que não mais mereço
O alto da montanha, do qual desço
Porque por mim não é necessário apreço (se não merecer)
Porque palavra correta não pede contexto (se se faz entender)
E o que não merece atenção se chama de resto (que se pode esquecer)
E o único que merece atenção: és tu (que merece sempre ser)
E essa reta que começa, continua e termina
Parece apenas uma linha comprida
Que por mais que gaste a tinta
Essa linha escura e fina
Nem hoje e nem nunca finda
Mas é grande demais para se ver o fim
É ponto após ponto, eternamente, dizendo: 'sim'.
Para construir, para sempre e enfim,
Um círculo eterno, fechado para mim.