O Discurso
O discurso ao longe se recolhe
Exaspera-se de tanta tristeza retida
Retirada de tanta angustia amargurada
E rentem-se nas ruínas dos gemidos
Abafados, acorrentados, inibidos
Tudo absorvido pela carne ensanguentada
Na garganta que segura em brasa
o ímpeto das palavras
Num repente uma delas liberta-se
Distancia-se da corrente e desliza nas entranhas
E a boca decassílaba torna-a voz
Fala-se o discurso temido
Numa boca tremula e tépida
A voz agora é do homem morto
Quem escuta aponta, quem protege corre
E os que normatizam caçam-no com suas togas
O discurso falado, melhor ter-se-ia bafejado
escondido num suspiro, numa tosse arranjada
numa fala açodada, sucedânea
Mas o desejo da fala esbravejada timidamente
Conquistou-o corpo em mente
Como se cada silaba de heresia foste o balsamo
Que um dia se repousaria
Protestando sua dor, calçou as botas do desaparecimento
E fez-se em historia seu lamento
Na égide de um quem escutou
Tornou-se olvido, em forma restante
E transpassou de um a um
o tempo dos errantes caminhantes
da tela do esquecido
Fez-se palavra concreta na forma de livros
Redigiram-se a letras aqueles gemidos
Fizeram-se versos dos tímidos suspiros
Calou-se a voz, mas ergueu-se o dito.