A ESTRADA SOLITÁRIA
A estrada solitária
Por Roosevelt Vieira Leite
Falei, falei e nada disse.
Se eu disse, meu dito foi incerto, apressado, inquieto. As palavras me saltaram à mente pela força do hábito, ou pela pura necessidade de dizer.
Se eu sei dizer de mim e do mundo, o faço em função do outro; o outro, sim, o velho e novo outro. O outro que se recria e a cada dia me faz dizer. Ele é o alvo permanente de meus enunciados.
Quando o peito se cala e o silêncio no mundo se instala é uma ilusão; isso é uma verdadeira trapaça da natureza, pois, o mundo como penso conhecer não me veio pelos olhos; foram os ouvidos que me apresentaram o ser-mundo. Ele é o devaneio dos antigos, é o verbo da lei ou da transgressão.
Nada há no mundo que não tenha sido palavra, além disso, está o perpétuo movimento das coisas inanimadas. Elas não têm sintagmas ou paradigmas, apenas estão lá, em todo e qualquer lugar.
Mas, na minha mente de homem, o vocábulo reina; o sentido pulsa, e com ele eu vou. Questiono a sua direção, duvido das respostas, me pergunto sobre tudo, e encontro no tempo e no espaço as formas de outrora: Os demônios dos gregos e cristãos, os deuses do Olimpo ou a arte rupestre do brasileiro sertão.
Mas, na minha mente que acredito ser coisa só minha, o mundo se apresenta como uma malha imbricada de discursos hibridizados. Somos educados; sou sabido, sou um ente, um demente, um léxico fragmentado. Em minha loucura eu desejo:
- Ah, se eu dissesse de mim mesmo ou por mim mesmo!
- Ah, se minha semântica fosse privada, individual, pessoal!
O mundo seria só meu, mas, o bom senso me adverte que eu seria um solitário viajante, um ser calado, sem lado, nem muro, nem posição.
- Ah, se o que digo fosse crido e tornado ação, eu seria o príncipe de todos os reinos!
A demência do social está nas palavras e por elas é revelada.
Pois, a palavra não é só minha mesmo morando em mim. Eu já disse: “A palavra é o outro, sim, o outro em mim, e eu nele; sem o tu, eu não existo. Nós somos dois bêbados inveterados que insistem em dizer”.
Quando o vácuo ocupa o espaço entre as palavras em meu texto escorrido no papel; quando nas entrelinhas de minha trama de verbos, morfemas, grafemas, e até poemas, o implícito salta, então, ele grita para ouvido d’alma; ele é o sentido presente-ausente; só os monumentos das praças não o escuta, ou as pedras da rodagem, ou as folhas das pastagens, ou os animais do campo.
O dizer e o ouvir são irmãos da mesma matéria. É quase a mesma coisa de uma outra coisa que o mundo fez. Não há mundo sem metáfora, nem uma cidade subsiste a falta de gramática. Assim, os enunciados iluminam o mundo, todavia, por vezes são a escuridão da noite. Tanto um quanto o outro se revela nas cadeias da fala.
Calar-se, também é preciso; é outra forma de dizer. O dizer do homem é como o camaleão na pedra; somos denunciados por nossos ditos.
Ah, que ilusão boa é o dizer!
Ah, que engano bom do ser!
A mente do homem é uma cocha feita de diferentes fibras; suas medidas e textura são proporcionais à sua cultura, e esta é uma capa de um velho bruxo.
Falei, falei, e nada novo disse.
Eu queria poder dar nomes a tudo.
Caracterizar as coisas todas na forma de substantivos.
Contudo, isto está muito além de mim.
- Oh, que angustia, sou menor que o mundo!
- Oh, que solidão quando a palavra me falta!
Estar sem palavras é estar sem o falo que fecunda o sentido, então, o ser se desespera; perde-se no nada, não se encontra em si; não há remitências; o seu em-si é como uma estrada solitária.
Sim, e a solidão me apavora! Gosto de um mundo de muitas faces. Gosto de ti; gosto de Marta, de Maria Clara, de seu Feitosa vendedor de fumo na feira de Areia Branca, gosto de Matilde, uma bela moça que falava muito pouco. Afinal, eu gosto do tu. O eu e o tu se irmanam nas palavras, se ferem nas elocuções, declaram um para o outro suas paixões; são inseparáveis mesmo que o ódio e a inveja os tenha visitado.
Na estrada solitária, você não está.
Quem sabe, eu, também, não esteja.
Lá, o coração lateja.
Lá, o verbo não declina.
Lá, os homens não sonham.
Lá, eu não vi ninguém.
Lá, o teu olho direito mareja.
Lá, tua alma será devorada pelas aves de rapina...