LAVAS & LAMAS
O que segue não me foi ensinado
Ao meu pranto que desce rimado,
E jamais seria eu obtusa
A acreditar nessa poesia absurda:
Que o silêncio seria a voz muda
Qual unguento que ao "após" nos inunda.
Que o palanque seria a mentira
Da falange que rouba a alegria.
Que as palavras voariam ao vento
Dentre tantos corpos ao relento.
Que a urgência seria adiada
Aonde a ética tombaria aviltada.
Que multidões seriam enganadas,
Ao vil do preço: da vida furtada.
Que a decência seria cingida
Pelas mãos de tantas senhas malditas.
Que a fome não ficaria contida
Pela migalha que soterra a vida.
Que a lava selaria o rescaldo
Sobre aquele que sua no palco.
Que o campo seria fustigado
Pelo larápio que está lá no alto.
Que as chamas queimariam as nuanças
Que das cinzas brotariam crianças.
Que a floresta resfolegaria
Ao carbono que envenena o clima.
Que os ratos rolariam no asfalto
Nos esgotos dos nossos sobressaltos.
Que a esperança seria alienada
Ao futuro, a morrer na calçada.
E que a lama fluiria em borra
Qual o sangue de gente tão boa!
Humilhada a terra na lona...
À bravata de tanta gente a toa!
Que a flor acordaria assustada
No jardim duma terra em desgraça.
Que o pensamento seria inimigo
Ao alento dum peito oprimido.
Que meu verso seria o anverso
Do revés do todo descoberto.
Que a poesia seria um lamento
A chorar pelo chão lamacento...
Que toda dor seria costumeira
À perene vida passageira.
E que o tempo seguiria roubado
Ao destino dum relógio parado.
Nada disso me foi um dia...ensinado,
Pois decerto nunca se houvera sonhado
Um poema tão dilapidado.