QUEM SOU EU?
Quem sou eu? Como saber quem sou, se sou tantos?
Sendo que muitas vezes acho que não sou nada!
Tenho apenas a certeza de que sou um ser inacabado, dito em construção
Uma construção, contudo, interrompida, com seus ferros enferrujados à mostra.
Obra já tomada pelo abandono e que nunca será terminada
Como se não soubesse, que todos somos construções inacabadas
e que nunca seremos completos, pois isto desmentiria a existência de Deus.
Eu sou o quase, que vira nunca. Ou o nunca que vira o quase! Aquele que sempre poderia ter sido.
Um ser de dúvidas correntes e certezas estancadas. Lago que não se comunica, ponte no meio do nada, leite derramado. O que jamais foi e que jamais será, porque não nasceu para isso, nem para aquilo. Um ser que tem medos secretos, dores inconfessadas, muitas, reais, muitas inventadas.
Que no fundo não tem preocupação de buscar verdadeiras respostas, porque teme a verdadeira resposta. Que esconde verdades, que oculta problemas, que sonha soluções impossíveis, que se projeta com valores que não tem, com habilidades que não possui, que cria realidades que não existem, que pensa que vive nela, mesmo que por alguns momentos, que tem soluções miraculosas para problemas que outros já se debruçaram e não conseguiram resolver. Um ser fragmentado, cindido, que tem pedaços espalhados por aí que nunca mais se juntarão.
Que prefere ir tocando a vida, ir levando, esperando que tudo se decida e quando vier as consequências, meramente, se defender e que quando ataca os problemas, os faz de forma atabalhoada e cruel.
De verdade é mesmo difícil saber quem é este ser que me olha do outro lado do espelho se ele nada fala quando me vê. Uma esfinge que, pela cara, não gostaria de ser meu reflexo. Que se pudesse falar algo para mim, certamente diria “Você é um imbecil”.
Porque deu valor a coisas que não tinham valor, que não soube valorizar nem a si mesmo, também não soube dar valor a vida que tem ou às coisas ou pessoas, que mereciam serem valorizadas, que não se importa tanto assim com o mundo, que odeia que não tem soluções, mas que não sabe oferecer as suas, que tem pontos de vistas genéricos sobre tudo e nenhum específico sobre nada, que não compreende as coisas mais simples e se julga apto a discutir as complexas. Diria ainda, este sujeito, que sou um egoísta, um ser sub-reptício, meio dissimulado, meio abjeto, que anda silenciosamente pelos caminhos onde pode evitar os problemas dos outros, um ser fechado em seu mundo e que abre pequenas frestas para o exterior de onde controla o que deve ser visto, que tem desejos secretos impublicáveis e que acha pode viver sem sentir e sentir sem viver. Um ser humano que quer mostrar seu lado humano e esconde sua cara real, porque precisa de aceitação, sem se importar que assim delega, aos outros, ditar o rumo de sua vida. Um ser que finge que está fingindo e quando não está, finge mais ainda.
Enfim, esta definição que viria do meu eu do outro lado do espelho, talvez seja a mais próxima de mina realidade neste ponto da vida, mas como explicar-me por inteiro, se ainda continuarei mudando, ao sabor das realidades que me cercam? Assim, acho que o melhor mesmo é aproveitar a lua branca, o silencio que abraça a terra esta noite e o Malbec argentino e seguir adiante, até que algum abismo se abra a minha frente.