REFLETINDO ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO

O brilho que as bolinhas refletiam na árvore de natal, incidentes das luzes coloridas que abraçavam a artificial árvore na sala, sempre me encantou.

Quando era criança, evidentemente não compreendia o porquê as luzes me envolviam, mas ao crescer continuei enfeitiçado pelo brilho dos objetos em tons de bronze, prata e ouro. Daí pude concluir que o nome disso era ambição, uma sede que não permitia estar satisfeito com o que se tinha, que motivava querer mais e mais.

As pessoas em minha volta não percebiam, mas estavam lá estrategicamente, porque cada uma tinha algo a oferecer, não bastavam apenas suas companhias, eu queria mais.

Não era premeditado, intencional, planejado, era algo que precedia meu pensar, apenas ocorria.

Eu era admirado pela nobreza de meus sentimentos, mas eles mal conheciam o que eu carregava em meu coração. O espelho refletia o que eu queria que ele refletisse, mas naquele reflexo, quando eu mirava em meus próprios olhos, via o escuro, obscuro insaciável querendo mais.

Era como um sabonete em baixo da ducha quente do chuveiro, externava um aroma suave e doce de ervas, mas quanto mais a água rolava, mais perto estava o fim.

As minhas fantasias e máscaras que criava para disfarçar todos os horrores da minha sombra, não eram de todas falsas, isto porque, por mais que quisesse sempre algo em troca, sem isso declarar, eu amei de verdade, sorri de verdade, abracei de verdade. Talvez o disfarce tenha sido tão real, que por momentos até eu me deixava enganar.

Muitos não entendiam como uma pessoa tão feliz e divertida gostava tanto de ouvir músicas sombrias e melancólicas, não entendiam que era o momento onde eu liberava minha alma para dançar sem qualquer constrangimento e amarras, apenas a deixava dançar, sem julgamentos e limites, apenas flutuava.

São todas as flores compostas somente de beleza e aroma ou em suas essências internas escondem uma defesa para os perigos iminentes?

Quem são os inimigos?

Nossos maiores obstáculos não são conhecidos pelo mundo, pelos que nos assistem, estão em nossas sensações, sentimentos e pensamentos. Somos nós.

Fazem-se versos e canções sobre os supostos amores verdadeiros, mas que ao conhecer os fantasmas de cada um sucumbem ao nada e se vão... Desculpe-me, mas um amor verdadeiro fica até mesmo quando a escuridão se revela, sem precisar concordar, mas entendendo que todos são assim.

Qual é o maior erro, se contentar com o que tem e ser feliz assim, ou ficar inquieto e seguir em busca das ambições, o querer mais?

Alguns tentam anular seus fantasmas, mal sabem eles que estes sequer morrem e quando voltam... Ah, não costumam perdoar.

Outros domam, e se conformam que terão que conviver com eles pelo resto de suas vidas.

Cada um usa uma ferramenta para escapar dos seus piores pesadelos criados por si mesmos, a arma mais usada é o “amor”, buscar em outra vida o bem que você não acha em si.

Erro tão trágico, pois se todos temos um lado negro, é fácil que a frustração nos abrace na calada da noite, na procura por algo que nem nosso reflexo no espelho pode nos oferecer.

Camuflado em uma aparência frágil, a escuridão poderia liberar os venenos mais mortais em forma de palavras, era a briga entre o monstro e o meigo rosto que todos ainda podiam ver.

Se alimentarmos constantemente o monstro, ele tomará conta das ações, dominará, mas se deixarmos com fome, sua única ferramenta é a ameaça, nos amedrontar, mas nada poderá concretizar.

Meu monstro queria mais, cada dia mais, e se encantava com o brilho das coisas, e antes de eu pensar se gostava de alguém, ele me fazia pensar o que ela poderia me oferecer.

E todas as vezes que parava em frente ao espelho, eu o via em meus olhos, tentando dominar meus sentimentos, me tornar menos humano, mais frio, mais longe do meu bem e perto do meu mal.

Quando a escuridão estava mais forte, eu perdia o equilíbrio, mesmo que suavemente, e quem observava de mais perto percebia, olhava diferente, e eu usava meus disfarces, no objetivo de esconder o reprovável.

Eu tinha mania de estar e não estar, querer e não querer, gostar e não gostar, tudo isso referente à mesma coisa ao mesmo tempo.

Por muitas vezes eu quis que todas as janelas se abrissem para o sol entrar, mas estranhamente me sentia mais seguro com elas fechadas, envolto em minhas sombras. Talvez tenha sido assim, porque todas as vezes que as janelas estavam abertas, um ladrão roubava um pedaço de mim, minando minhas esperanças.

Fui tolo, já dei abrigo aos ladroes, e recebi um veneno mortal, que levarei por toda a vida. Hoje olho as possibilidades pela fresta das janelas, e com medo, os papeis ficaram invertidos, os ladroes estão lá fora no sol e eu preso aqui.

Um dia quando minha vida virar um sopro, tudo será apenas lembrança aos que ficaram, e quando estes também se forem, tudo deixará de ser.

Qual o sentido das coisas, dos seres, de existir?

Algumas perguntas estão mais longe de minhas respostas, me preocuparei com meus fantasmas e o que farei para deixá-los a sorte da fome, minguando sem prevalecer a mim mesmo.

Minhas mãos plantaram as flores mais coloridas para sobressaírem aos sentimentos cinza, tentando distrair as angustias e lembranças que não merecem ser lembradas.

Não sei quantos dias terei nessa luta, e se do outro lado há um descanso. Não sei quantos dias serão de sol, e quantos de vendavais e nuvens escuras.

Não sei se necessariamente um dia o meu mal ou bem vencerá, ou quem sabe essa luta jamais cessará...

Só sei que mais um natal chegou, e aqui estou novamente, encantado pelo brilho que as luzes refletem nas bolinhas, querendo mais, e a imagem que reflito no espelho é a mistura de um bem que aparento e um mal que carrego no olhar.

Leonardo Guimarães Rosa
Enviado por Leonardo Guimarães Rosa em 07/09/2015
Reeditado em 08/09/2015
Código do texto: T5374257
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