Eu sou o óbito

Me sacio com meu eu

Com o aspecto amorfo que a mim se deu

Eu sou quem derrama o perfume da flor e sopra o vento

Sou quem te agarra o pensamento

Eu sou o pó que a vida sopra

O vento que desmorona a obra

Sou eu o amor que causa dor

Que se conforta no rancor

A negação da tradição

Uma fonte de inspiração

Eu sou uma árvore seca que respinga sangue

Eu faço parte desta gangue

Pertenço àqueles que pinta a alma

Que prefere desordem a calma

Sou eu quem perfuro a epiderme

Me comparo sempre a um germe

Sou a solidão viva na batida do peito

Uma concretude de defeitos

Eu sou a sombra que ilumina a condolência

Não apenas a aparência

Eu sou o grito que ecoa socorro

Eu me destruo, mas não morro

Eu sou a síndrome da empatia

E a aberração da alegria

Eu sou quem constrói toda a ponte

Para destruir o horizonte

Eu sou o germe que origina a dor

O que semeia o amor

Eu sou a morte súbita que regozija

Morro por dentro para ser precisa

Sou a vida sem ventura

A minha alma é escura

Eu sou funesto

Faço parte de todo resto

Sou uma partícula de sal diluída

Fico mais salgada a cada mexida

Sou eu quem teme ser esquecido

Sou sempre um ser corrompido

Eu anulo minha emoção

Mas grito sem pretensão

Ninguém acorda e eu ainda grito

Eu clamo amparo, eu tenho dito

Sou o arquivo que apaga sem ser salvo

De toda dor eu sou o alvo

Sou o líquido impuro que do esgoto escorre

Sou a embriaguez, o porre

Sou a lagarta que não vira borboleta

Sou a chave perdida da gaveta

Sou a lua que faz parte do dia

A controversa sem serventia.