RELÓGIOS DERRETIDOS

Vai ela escorrendo pelos dedos, ligeira e inquieta. A inspiração incerta que aparece sempre fugidia como uma bobagem qualquer, dita no meio de uma conversa qualquer.

Se hoje me sento e escrevo é tão só por insistência. Se persisto, é porque nada acontece, nunca.

Se fizer o que quero, já deixei de fazer o que devo. Se faço apenas o que devo, por que faço então?

Naquilo que quero, existe a ideia de um talvez que é tão fugidio quanto a inspiração. E alguma outra sensação que por hora eu também desconheço.

Enquanto escrevo, lá está ela, escorrendo... A memória alegre e cor mostarda, a marca de batom no cigarro mentolado de uma adolescente consumida por mais uma paixão esdruxula. Aquela sensação difícil de definir, mas que silencia o pensamento por algum tempo.

Se tento capturar algo neste poema é em vão. Não estou pensando em palavras, penso na vida. Nunca se tratou de palavras.

Não faço sempre aquilo que devo, porque de fato já não me importo, mas aí me entristeço. Toda promessa é um auto-boicote.

Acorda-se igual, chateia-se igual, vive-se igual. Conheço o amanhã bem de perto e já não gosto.

Queria eu, só por hoje, poder reviver uma sensação antiga. Nem que fosse uma tristeza qualquer.