DO PRINCÍPIO AO FIM
Não sabemos quando estamos prontos a escrever
pois aquele que escreve
é tomado pela força do hábito
que o interage a companhia das letras
e o faz escravo de seu próprio prazer,
jamais pensei ser possível
sentir falta do que desconheço por completo
penso todas as horas
qual será a minha última palavra
a qual me fará ser o que sou
nada mais
nada menos
proferindo a singela síntese
daquilo que venho me tornando
sou possivelmente como todo texto
incompleto, mesmo que acabado
de bem comigo e com todos
me passando por bom moço
agora sim estou começando a compreender
até posso sentir o pavor das palavras
que como nós
sempre temem ao fim,
a incompletude talvez seja obra mais bem feita
estamos sempre tentando preencher vácuo
melhorar, rebuscar, recobrir
tudo aquilo que por nascença é belo e perfumado
de fato pecamos
quando temos as melhores intenções
quando imaginamos que estamos no caminho certo
gosto de minha natureza e pretendo com ela resguardar-me
até o fim
quero ser incompleto
pois as falhas com as quais obrigo-me a conviver
dia a dia
são como ranhuras de um móvel antigo
são as mesmas que afastam a ingênua forma egoísta de pensar
de que sou isso ou aquilo
quando não passo
de mera quinquilharia de sala de estar
àquela que sempre tem a frente
quadro insinuando mar.