Cores Na Névoa
As crianças estão brincando nos quintais e ruas,
os cães estão ocupados latindo para
os gatos e os estranhos e os andarilhos anônimos,
e os gatos estão dormindo no conforto de suas camas
macias e improvisadas mas muito, muito
confortáveis.
Ah sim, eles estão confortáveis.
Alguns pássaros voam e cantam,
cantam e voam, perseguindo
seus errantes destinos,
tão distantes...
O Sol e as nuvens
travam sua habitual batalha
pelo palco do céu,
a terra, ferida e desolada,
teatro de homens abotoados
e sem rosto,
sem gosto,
sem
céu, sem mar, sem amar,
indo e voltando de seus trabalhos insossos
(o trabalho é compulsório e forçado),
empoeirados pela total falta de ousadia
para quebrar esse ciclo estúpido.
Voltamos aos céus:
As nuvens estão se agrupando e pouco a pouco
vencendo o Sol quase poente, que tomba e segue tombando
lentamente
no quase horizonte.
As sombras escurecem as nuvens nervosas e triunfantes,
e a claridade desta tarde vai apagando-se,
as crianças entram em suas casas, os cães silenciam,
os gatos, os gatos seguem dormindo assim como
os homens seguem
idênticos.
O vento varre as folhas da calçada, arranca
galhos secos, galhos podres,
frutos maduros demais,
frutos jovens demais,
folhas vivas e mortas se entrelaçam e dançam em pleno ar.
Tudo para anunciar a chuva e...
Chove.
A água desaba sobre todos nós,
limpa as feridas da terra e oferece
algum conforto para o desamparo que somos.
As nuvens logo se esgotam
pois no fim de toda chuva torrente,
podemos contemplar o Sol, vermelho e morrente.
Vislumbrar as variadas cores poentes,
na névoa que sobe do evaporar das gotas,
sobre chão tão sedento e quente.
E eu, bem, do alto de minha janela,
do restrito espaço infinito de minha varanda,
estou observando tudo isso e
pensando a respeito,
sem chegar a uma
resposta plausível ou a uma
explicação que me satisfaça.
Sigo observando, e ainda me pergunto constantemente:
Por que sou o único que ainda para
(quebro o ciclo estúpido)
e observo tudo que deveria ser
mais sagrado que os deuses?