Fotografia © Ana Ferreira
 

 
O Mio Babbino Caro (Puccini) - Maria Callas 


"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer."  
(Albert Einstein)




 
VERMELHO

Súbito escarlate salpica o rosto da manhã,

enquanto, de uma janela aberta, suave, flui,
uma ária de O Mio Babbino Caro, na voz de Callas,
que parece rivalizar com o ruído da pressa humana,
não muito longe dali.

Confinada no canteiro do seu encantamento,
a flor parece dançar ao sabor do vento.  
Bela. Rúbea. Esvoaçante. Nua.
Sua ondulada dança
empresta rubra fragrância

à matutina agitação da rua.

Sobre o muro do jardim,
uma pequena mão estendida

colhe a flor e balbucia:
- Tão vermelha e linda!

De repente, uma colisão de carros.
Gritos.
Tiros. Uma bala perdida.
Uma criança atingida.
Um pequeno corpo cai ao chão.
Aperta uma flor nacarada,
desfeita,
despetalada,
entre os magros dedos da mão, 
já sem cor, já sem vida.
    


Súbito silêncio de morte, inesperado:
sobre o vermelho das pétalas caídas;
sobre o vermelho do sangue, inocente, derramado.

Da janela, agora quase fechada,
os derradeiros acordes da cantata

e o tom cada vez mais baixo de Maria,
expressam o que em palavras
não pode ser dito,

e lentamente, silencia:
 “...O Dio, vorrei morir! Babbo, pietà, pietà...!"
 
Ana Flor do Lácio
 
 
Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 13/01/2015
Reeditado em 14/01/2015
Código do texto: T5100739
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