Poema esférico [Paródia do "Poema de sete faces", de Drummond]

Quando nasci, fiz questão de crescer

E na sétima série fitei a lousa

Onde o branco do giz se repousa

“Vai ser gauche na vida”

Tive que aprender francês um ano atrás

Para entender que “gauche” não é nada demais

E que hoje esquerda é moda

As janelas espiam os prédios

Que cospem adolescentes apreensivos

Vítimas de egos autodefenestrativos

Que correm pelas veias de cimento

Que correm atrás de mulheres nuas

Que correm atrás de trampo nas ruas

Aonde vão os embriagados

Já não passa mais o bonde

O ônibus passa simplesmente cheio

O metrô passa simplesmente cheio

Por que tão cheio, meu Deus?

Mas #vaiprarua e não pergunta nada

Nasceram todos na hora errada

E querem todos ir embora

O homem atrás da ambulância

Atrás do banco; indústria; escola;

Do parquinho onde jogam bola

Dista meio metro de mim

Acabou de sair da academia

Aproveita para tirar uma fotografia

E posta num qualquer aí

Meu Deus, por que me abandonaste?

Ele está chamando Elias

Pois desistira das demais vias

Vejamos se Elias vem salvá-lo

Deixem-no, é uma vã manobra

Nós temos tempo de sobra

Tu não sabias que nós somos deuses

Mundo, mundo, vasto mundo

Cabe na tela de um computador

Pena, não cabe em si mesmo sua dor

Sabe-se de tudo e nada se faz

Leio todo dia sobre a Caxemira

Mas é a prova de sábado que está na mira

Não vasto é o meu coração

Para esquecer a overdose que

Apesar de tudo ainda não passou

Peço à minha esperança que secou

“Deixa eu cheirar esse barulho de chuva

Pois de tão raso eu já vejo o fundo”

Escapemos o mais ligeiro desse mundo

Que, ainda que comovido, é o diabo

Ugo Costa
Enviado por Ugo Costa em 11/01/2015
Código do texto: T5097745
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