Poema esférico [Paródia do "Poema de sete faces", de Drummond]
Quando nasci, fiz questão de crescer
E na sétima série fitei a lousa
Onde o branco do giz se repousa
“Vai ser gauche na vida”
Tive que aprender francês um ano atrás
Para entender que “gauche” não é nada demais
E que hoje esquerda é moda
As janelas espiam os prédios
Que cospem adolescentes apreensivos
Vítimas de egos autodefenestrativos
Que correm pelas veias de cimento
Que correm atrás de mulheres nuas
Que correm atrás de trampo nas ruas
Aonde vão os embriagados
Já não passa mais o bonde
O ônibus passa simplesmente cheio
O metrô passa simplesmente cheio
Por que tão cheio, meu Deus?
Mas #vaiprarua e não pergunta nada
Nasceram todos na hora errada
E querem todos ir embora
O homem atrás da ambulância
Atrás do banco; indústria; escola;
Do parquinho onde jogam bola
Dista meio metro de mim
Acabou de sair da academia
Aproveita para tirar uma fotografia
E posta num qualquer aí
Meu Deus, por que me abandonaste?
Ele está chamando Elias
Pois desistira das demais vias
Vejamos se Elias vem salvá-lo
Deixem-no, é uma vã manobra
Nós temos tempo de sobra
Tu não sabias que nós somos deuses
Mundo, mundo, vasto mundo
Cabe na tela de um computador
Pena, não cabe em si mesmo sua dor
Sabe-se de tudo e nada se faz
Leio todo dia sobre a Caxemira
Mas é a prova de sábado que está na mira
Não vasto é o meu coração
Para esquecer a overdose que
Apesar de tudo ainda não passou
Peço à minha esperança que secou
“Deixa eu cheirar esse barulho de chuva
Pois de tão raso eu já vejo o fundo”
Escapemos o mais ligeiro desse mundo
Que, ainda que comovido, é o diabo