EU ME PROCURO EM UM LIVRO
Eu me procuro em um livro
para lembrar-me... para lembrar-me...
Ecos tão rarefeitos...
vagas sombras
povoam-me em tua palavra.
Tornei-me pura ideia
uma espécie de fantasma
fantasma-ideia.
Belo este livro em que estou ideia
ideia que não tenho mais do que estou
neste lado de cá que chamam vida.
O livro é belo.
Ninguém intuirá de outra história
por debaixo das palavras
quase ascéticas
sob cuja superfície
foi real um corpo... um dia...
Um corpo
olha-se no espelho
e também não se lembra
daquele que foi...
Um corpo...
Às vezes penso que desvanecemos um no outro
mas sei que nem na hora da nossa morte
tu e eu teremos
qualquer certeza disso.
Eis nossa sina neste mundo.
O livro é belo
desde a capa comedida
com a imagem de um quadro
de mulher nua:
creio que uma mulher renascentista.
Nos versos também comedidos
o homem que não conseguiste ser:
Comedido.
O poeta pode
e isso construiu um destino.
Eu não pude
construí um desdestino
e ninguém teve culpa disso.
Tenho certeza
de que se eu tivesse escolhido
sem qualquer dolo ou perdas
para quem quer que seja
poderia ter sido
perfeitamente
uma qualquer outra coisa.
O livro é belo
o livro é fundo
te reconheço a ti
te reconheço a teu verbo.
O mais... O mais... Amigo meu...
O mais...
Dizer o quê?
Que eu me cale!
Dir-te-ei sim, não agora...
mais... o mais que aqui não me cabe.