"Espelho, Espelho Meu..."
"...Hoje fui pega de surpresa pois ao confrontar-me com versos que li em algum lugar, descobri que esqueci que sou Mulher.
Não a guerreira que cuida da casa, filhos, marido, da feira. Está Mulher eu trago em mim desde que brincava de boneca, inocente menina.
Mas falo da Mulher que em mim florescera ainda sapeca, que brincava de médico e não de boneca.
A Mulher que deseja e se estremece ao notar-se desejada, mesmo sendo eu casada.
Que fica rubra a um elogio e depois dúvida se foi de fato pra mim ou para me agradar.
Está rotina de sair as seis da manhã e só retornar as sete da noite.
Não só me deixa estressada mas, também cansada, desleixada.
Comigo, com meu sentir, meu cuidar.
Mais ao constatar neste momento que a rotina é o que me desanima, pude me ver de forma serena.
E me reconectei com a Fêmea, a que uiva nas noites incessantes de pulsante desejo, a ardente, a amante.
E descobri que a linha que separa as duas é tão fina quanto um fio de cabelo. Deu-me até desespero!
Mas, logo me acalmei por acreditar que este despertar é natural e latente. Nasce com a gente, nós é que de alga forma o guardamos em alguma Estante velha e quando inventamos de arrumar a vida. O despertar cai sobre nossas cabeças. Primeiro o susto, depois Eureka! Não é que reinventei a pólvora?
O estopim é todo este meu lado guardado, e a chama pode ser um malicioso olhar, um poema.
Pode ser o vento a acariciar as minhas pernas me deixando orvalhada. Tudo pode desencadear uma centelha e eu posso explodir de tal maneira que posso me tornar irreconhecível, plena.
Tomarei cuidado para não explodir de vez, aos poucos é mais gostoso e não me colocará em perigo e sim no doce abrigo de ser o que sou.
Saber, o que quero onde e como.
Sem titubear, bem ávida por navegar em mim mesma. Tocar minhas profundezas e emergir em forma de gozoso vulcão.
Hoje fui pega de surpresa, encontrei a Mulher que há tempos perdi e agora não vai ser moleza..."
("Espelho, Espelho Meu...", by Carlos Ventura)