ALGUEM APAGOU A LUZ DAS ESTRELAS
Alguém apagou a luz das estrelas. Mas nós, os sonhadores, queremos a noite virgem e o som dos bichos. Nós, os sonhadores, queremos apenas um piquenique despreocupado no domingo, ao invés dos passeios nos shoppings centers da cidade. Nós, os sonhadores, não precisamos de cocaína. Mas alguém apagou a luz das estrelas. E o romantismo morreu. E a ilusão também morreu. Alguns estão à procura dela. Da ilusão, é claro. Mas as princesas viraram funkeiras vulgares, e os mocinhos viraram marginais delinquentes. Há quem goste do que chamam de amor à luz da cidade, às sete da noite, num motel barato. Mas eu prefiro à luz das nossas antigas estrelas.
Quando eu te conheci, comecei a sonhar. Queria tomar café contigo, mas dificilmente você aceitava o meu café. Era a princesa que eu encontrava nas páginas velhas de um romance medieval. Eu nunca estava bêbado ao elogiar seu sorriso. Mas eu o elogiava silenciosamente, porque era o meu segredo. Eu cogitava a hipótese de uma poesia bonita criada para nós. Mas Cecília não seria capaz de escrever sobre a minha tristeza. Álvares não seria capaz de escrever sobre a tua virgindade. E Pessoa não seria capaz de escrever sobre a tua multipolaridade.
Secretamente, você foi o meu verso mais bonito. E para nós, os sonhadores, o mundo não ficará para sempre no escuro. Estamos todos errados. Estamos todos fodidos e fadados a imaginar um futuro bonito num presente asqueroso. De toda forma, eu só queria tomar café contigo. E encontrar o teu sorriso perdido em meio a algum verso razoável. Mas nós, os sonhadores, nunca encontramos um verso suficientemente necessário para os nossos desejos. Secretamente, você foi o meu verso mais bonito. E te guardar em segredo, foi sem dúvida, o meu maior poema.
Depois que eu assisti a uma entrevista na televisão, descobri que o amor é coisa desnecessária. Duas décadas inteiras babando nas histórias Disney para depois descobrir que tudo era absolutamente desnecessário. O jeito foi acordar certo dia e pedir uma cerveja. Todas as luzes se apagaram, eu pensei. Os apaixonados estão errados. Nunca amarão de verdade. Vão descobrir.
Eu tomava uma cerveja no centro velho da cidade. Era um dia frio e já passava das quatro da tarde. O telefone tocou a nossa música. Since I don´t have you. Eu deixei tocar, não atendi. Deixei que tocasse a música inteira. Acho que estava um pouco embriagado. Deixaria o mundo inteiro caótico se tocasse um pouco mais a nossa música. Nos últimos minutos da nossa existência, quando o mundo inteiro se tornar silencioso, a música triunfará por fim. E eu me lembrarei de um sorriso e da mulher que nunca consegui escrever poema algum.
Mas ninguém também nunca conseguiu. Talvez porque não tivesse conhecido a mulher que conheci, ou porque não conseguissem escrever propriamente muito bem. As luzes estão apagadas. E eu sonhei que estava bêbado e ganhava um beijo seu. Eu descobri que aprendi a escrever no escuro. Já ouviu Secos e Molhados? Que fim levaram todas as flores.
Algum dia pregarão o amor. Quando o silêncio caótico da humanidade se dissipar nos montes das favelas e dos grandes seios das mulheres, a música triunfará por fim. A primavera triunfará suas flores. E para nós, os sonhadores, o filme sempre acaba com um último beijo numa espécie de cena Shakespeareana. E para mim, já que o verso não veio, e já que a crônica pediu para nascer, talvez a frase final seja “alguém decidiu apagar todas as luzes. Mas nós, os sonhadores, sempre sonhamos em fazer amor no escuro.