GENEALOGIA - A Gil de Olive

Na manhã de 04 de junho de 2014

Poema escrito em 1988

Não tive filhos

não deixo

lastro de sangue ou memória.

Meu pai tive completo

recompondo

os indícios da falta

as faces do silêncio.

Minha avó desceu mais fundo

emergindo

de tímido azul do retrato.

Dos outros não sei que tenha

mais que sombras de nomes

ainda assim se fiam

na resistência do sangue.

II

Carrego os amigos

às costas da memória

não pesam

mais que um roçar de anjos.

Os que passaram

no rastro dos abismos.

Os que me salvam

à beira dos eclipses.

Os que desembocam

diariamente

na foz do sangue.

Todos

grávidos rios

árvores sobreviventes

no seio das queimadas.

III

Para o amado

uma genealogia própria:

toda a fundura de existir

enquanto respiro.

O mais é sutura

e silêncio.

IV

Como todos

assinei cláusulas de existir

e moratórias.

Como todos

um dia residirei na terra

e em seus ossos.

Até o ocaso das pedras.

(...) Enquanto isso

no vão dos dias

algo em mim

sonha e espera prosseguir

para além do acaso

das pedras.

Do livro ESPELHOS EM FUGA, Editora Objetiva, 1989.

Abraço grande, amigo

REPUBLICAÇÃO.