UM ADEUS AMAZÔNICO
No seu olhar
Incrivelmente enigmático
Reside ainda reluzente brilho
A luz dum amor singular
De braços retraidos
E mãos entrelaçadas
Escapa uma angústia reprimida
E já imaculada
Não, não, é impossível
Irreal e inconcebível
Viveres ao meu lado
Sob este céu em que feneço
Fenecerei apenas eu
Com essas pernas que arqueiam
E que vacila
Avançando tremula
Por um escuro túnel
De uma dor já antiga
Não, não ocupes esse meu lugar
Onde a burocracia da vida me enlaça
À poder galgar
A miséria do dia a dia
Que me ofuscam os olhos
Me queima as mãos
Apaga alguns sorrisos
Mata esse amor que nunca foi meu
Realça essa estupidez moderada
Esse desespero calado
Esse medo fabricado
Essa sonâmbula felicidade
Duma tristeza maníaca
E assim vivendo esse modo
Funcional de ser
Cumpridor de horários.
Não, não, não seria para ti
Deitar-se nesse leito ao meu lado
Dormir num eterno trânse mortal
Até a chegada sórdida, canina
E arbitrária do dia
Que não surge da pureza silenciosa
Da madrugada
Mas sim da dureza de uma noite de pedra
A espera de um dia involuvel.
Não, não, não fique presa a mim
E a essas nossas cotidianas dores
Que carregamos nas mãos
Cada um de nós
Dor que mansamente nos invade
Duramente nos acompanha
Durante a vida como uma sombra
Que quase não percebemos
Sua presença.
Não adote este meu lugar como teu
Dessa atmosfera nauseante onde giro
E me asfixia até atingir a idiotice
Enquanto não chega a morte
Com seus minuciosos rituais
Contemplo de longe
Está absurda razão humana
De viver.
Não, você é da cidade dos aventureiros
Onde há suas próprias ruas para o amor
E seus cemitérios fervilhando
Suas mortes
A cidade onde tendem
A viver por um fio
De apuros
Por puro acaso
Onde morrem ou vivem
Não da poluição inalada
Mas da aventura de driblar
O monstro megalópole
Que te devora a cada dia
E essa linha dourada, essa curva tênue
Que me distrai no horizonte
Desse meu lugar
Será ou já é nosso adeus
Um adeus amazônico.
E foi com a força e doçura,
Com a inocência de uma paixão juvenil
Que tropecei com ternura
De amores por teu olhar.