Rendendo-me à minha própria fragilidade.

Não posso viver de memórias

Que só desencadeiam dúvidas

Hipóteses que não levam a nada

Eu rastejo nesse solo árido

Esperando uma gota d'água

Cair desse céu soturno

Como uma esperança

Uma promessa que seja

Nem um gérmen aparece Não gero vida

Até a minha própria existência

Está se esvaindo

Desculpe, Nietzsche

Pelos meus valores de decadência

Mas não fingirei sequer um segundo

Que sou forte e que não me vitimizo.

Então, tornar frequente a sua lembrança

É como me enterrar numa cova

Cheias de vermes prontos para me devorar

Mas, mas eu não resisto ao tempo que passou

Ele faz parte de mim, você faz parte de mim

Então, prossiga o enterro

Que me devorem esses vermes de merda

Então, querido filósofo

Me entreguei ao instinto

Esse que me arruína

Prazer doentio de morbidez

Não me nego, Nietzsche. Apenas o mesmo instinto

Que me tornaria forte, agora me faz fraca.

Além do bem e do mal

Porém, ainda humana

Perecível, limitada, frágil

Obrigada pelos ensinamentos, meu filósofo extemporâneo

Agora sou capaz de ponderar os dois lados da moeda

Será que morrer de amor é algo nobre?

Nietzsche, do seu túmulo dirá que não.

Pois tudo que luta contra a vida e a natureza

Para você é decadente.

Mas eu digo que sim

Pois não temo a morte, muito menos o amor.

Isso sim é se entregar ao instinto. Não negar quem verdadeiramente se é.

Nietzsche, no início do poema, quis cambalear meu ser

Através de palavras que camuflariam a minha desgraça

Mas eis quem sou

Como você mesmo diria: uma mulherzinha.

Que venham as lembranças infelizes

Não fugirei de mim, nem dos meus sentimentos

Só assim, filósofo, alcançarei a minha transvaloração.

Talvez se estivesse vivo não me considerasse digna

De ler a sua mais célebre obra: Assim falou Zaratustra.

Deixe de preconceito, homem póstumo.

Sim, sou mulher e o compreendo

Interiorizo o que leio

E descarto o que me for inútil

Caro, tenho por você amor e ódio

Admiração e pena.

Meu filósofo, acredite!

Não preciso ser uma muralha impenetrável

Posso ter uma excitabilidade excessiva

E ainda não me negar e ainda viver em toda a plenitude

Sei que me compreenderia, ao seu modo também era poeta

Rústico e até obsceno, mas lírico.

Então, meu mestre, tenho de me despedir

E que as lembranças não me sucumbam e nem o solo árido.