Aquela vertente de rio
que nem cabia nas paredes suadas
que saltava aos olhos das janelas calmas
que gotejava no nosso teto
que pululava em nossa calçada!
que o vento sorria e acenava...
que o pensamento me impelia,
que para ti ele me roubava...
Aquela vertente de rio,
que sorvíamos ao fim da tarde,
que bolinávamos ao romper d´aurora,
que lambia os nossos sonhos,
que a querência não tinha hora,
que escorria por nossas pernas,
que a pressa ficava pra outrora!
Aquela vertente de rio,
que nos chamava pra vadiar
que a impaciência levou embora
que invadia meus alvos dentes
que só de lembrar... minha face cora!
Aquela vertente de rio secou,
e fez as noites excruciantes
e fez minha alma triste,
e ainda hoje ela busca,
e ainda hoje ela chora!
e fez o barco perder-se em mar bravo,
e fez-se um silêncio tão dissonante,
e deixou-nos na vida um hiato,
e fez-nos do destino escravos...
e fez perder-nos como amantes!
Aquela vertente de rio secou,
e encarcerou-nos à eternidade,
e deixou um travo e um vazio,
e algemou-nos atrás das grades,
e rachou-nos com seu estio,
e capeou de nós a felicidade!
Aquela vertente de rio,
lasco, intrínseco, sozinho, fez motim em minha vida
largou-me em Sol a pino
secou a minha saudade, raptou meu velho-menino!