Um olhar do passado
Há dias dos quais me perco solta ao vento no pretérito
Com as lembranças que eu registrei.
Ouço como sempre o som da madrugada que me arrasta
Fico estagnada vendo a vida passar toda cheia de certeza.
Penso nos delírios que já vivenciei, e que me fazem por vezes rir.
Nas pessoas que conheci e só a metade ainda está aqui.
E nesses dias eu me pego folheando meu passado.
Revendo escritos antigos, saboreando acontecimentos.
Com as palavras escritas há anos, e que ainda fazem sentido.
Parece que foram escritas recentemente, mas muito já mudou.
E lendo, vejo que não mudei muito, ainda tenho a mesma alegria.
Ainda continuo falando de amor, de caridade e de justiça.
Em maior extensão do amor, de saber dele sem saber.
Lembro que eu me isolava de todos, ficava em meu canto.
E as pessoas sempre curiosas queriam saber o porquê de eu ser assim.
Eu amava pegar um caderno e ficar por horas escrevendo
Com músicas soltas pelo ar me fazendo viajar pelo meu mundo.
Sem pensar na possibilidade de alguém, exceto eu, ler um dia.
Por que as pessoas se assustavam com isso?
Isso só me fazia ter repulsa delas, e talvez, por esse motivo, eu inventei as fobias que tive, só para me manter distante das mentes barulhentas e banais.
E que eu poderia me compreender melhor do que elas com suas quantidades de problemas aglomeradas em seus tecidos sadios.
Por que talvez, pela idade que eu tinha o certo era não fazer isso.
Mas nunca dei importância às línguas alheias, só entrava e saia em meus ouvidos.
Para mim sempre foi tão normal, mas não na normalidade deles.
O normal era: sair na noite, beber, namorar, fumar, fazer sexo.
Eu tinha um interesse a mais em tudo isso: escrever, além de praticar.
Eu escrevia as ações dos outros. Eu os ouvia falar. Só ouvia.
Era uma copiadora da representação da realidade.
Saia com eles fantasiada de jornalista, e depois relatava.
Eu conseguia ver detalhes que ninguém via.
Eu conseguia compreender situações que ninguém conseguia.
Via cores onde não existia à visão normal deles.
Dizia palavras que eles precisavam ouvir.
E por eu ter uma percepção disso tudo, eu passei a ser a estranha.
“A garota que gosta de escrever”.
Mas uma vez, quem disse que eu dei importância?
Eu só tinha que seguir as normas da sociedade na base da convivência.
Eu tinha meu mundo particular e era muito feliz assim.
Muito mais quando alguém tentava arrombar as portas que fechei.
Meus convidados não eram qualquer um, tinham que merecer me conhecer.
Em meu mundo só entrava quem eu queria e como eu queria.
E por fazer isso, é que eu chamava atenção, a tal atenção que sempre odiei.
O resto tinha meu respeito e nada mais.
Eu dava o meu melhor sorriso e depois saia de cena.
Geralmente era uma forma de cumprimentar alguém.
Pois a minha voz era preservada o máximo possível.
E mais uma vez voltar a ler meu passado me fazia degustar pedaços dele.
E porventura um olhar do passado sempre mostra de onde começamos.