Meu voto é secreto
Meu voto é secreto
Não conto a ninguém
Que a fome continua
E tantas falcatruas
Acontecem debaixo dos papéis
Os burocratas atrasam
A dinâmica já inexistente
E eu esculacho quem votei
Mas meu voto é secreto
Não conto a ninguém
No P.S a criança tosse fumaça
E a velha morre descalça
na fila do corredor
E eles aparecem tão sadios,
Engravatados,
sérios e bem intencionados
Ah! Quase acreditei!
Tudo é tão caro
Quem é o beneficiado?
Quem?
Estou aqui reclamando por uma
CPI contra todos os políticos
Que pregam bons costumes
E com palavras de efeito
Dizem o que jamais vão fazer
Caí num buraco da rua
Xinguei o prefeito de filho da puta
E anotei todos os defeitos da cidade
Em um papel quilométrico
-não sei se vai caber-
ainda falta um pouco
-uns 800 metros-
mas
há uma arma apontada no meu queixo
não vou poder mais dizer o que penso
mesmo eles dizendo “eu deixo”
sei, sei, sei!
E a página de turismo
anuncia no jornal
novo endereço da cracolândia :
ainda na região central
Os muros aumentaram
De uns tempos pra cá
- só transferiram o problema de lugar -
Meu voto continua secreto
E em um canto discreto
Vejo umas pás
Enterrando os sem-teto
No cemitério municipal
Sem caixão: só cal.
Saí de cena por uns meses
Fui seqüestrada por engano
Mas em menos de um ano
Me largaram lá na Sé
Tudo igual!
Meu voto é secreto
E naquele discurso incessante
Parecia certo
Que algo iria se resolver
Chaga a ser hilário
Que exatamente o contrário
É o que se vê
Acho que nos acham otários
E naquele domingo maldito
De um outubro perdido
Antes eu tivesse bebido
até cair.
-lei seca que nada-