Sentimento

Um vermelho e vasto mundo de violência,

Que se contrai e expressa o seu ser,

Que sai de dentro de mim, com as mãos sujas

Cheias de palavras ensaguentadas,

Prontas para serem pingadas no papel.

O vermelho não o faz pela crueldade,

Mas sim pois simplesmente é o que é.

É o grotesco e nojento da realidade,

É o reflexo do pior que poderia ser,

Somente sendo o que é, naturalmente.

Ao manchar o papel com a angustia

Pinta-lo com a nobre obscuridade

Apaga-lo com o senso comum

E reescreve-lo com a honestidade

Sinto-me feliz e realizado,

Pois naquele papel não há só sangue,

Não há só a animalidade interior do ser,

Como tantos gostam de apontar.

Gostam de xingar e difamar e enojar

Gritando sobre como isso não é o que afirma ser

"Não é profundo, é infantil e desnecessário"

Todos cegos por uma ignorante moral,

Que só os deixa apreciar a arte

Que seja e siga o que outras foram.

O vermelho é intimo para mim

É mais crítico e honesto

É mais rico e cheio de afeto

É mais dramático e belo.

Encontro nessa melada folha pedaços do que sou;

Pedaços de tudo que fui até o momento,

E o que vou continuar sendo

Ainda que cresça e mude, terei esse fundamento.

Então a folha foge de minhas mãos

É levada pelo vento do mundo exterior

E eu tenho que segui-la, mesmo com ardor.

Ao sair de casa, deparo-me com o oceano

O oceano do descontentamento, onde mergulho.

Mergulho e nado até o dia acabar

Mergulho e nado até o sol raiar

E o faço não por querer me molhar nas águas,

Nas águas de todo meu tormento,

Mas porque não há terra onde possa parar,

Onde possa parar sem o sentimento,

O sentimento entendiante do viver,

Viver sem proposito e seguindo a mesma linha,

A mesma linha em que tantos outros estiveram

E continuarão a estar andando retamente,

Mesmo quando eu arrumar um jeito de circular.

O oceano me puxa para seu fundo.

Pega-me pelas pernas e puxa fortemente.

As moléculas de água e sal me fazem afundar,

Afundar inerte e rápido e silenciosamente,

Levando-me até o mais fundo fundo

Um fundo onde todos estiveram.

Ali é o mais real que poderia ser,

Ali a realidade é apática e normal,

É o que muitos amam sentir ao acordar,

Mas não é o real que quero realmente.

Anseio por uma rápida saída desse lugar;

Esse fundo de poço oceânico e entediante,

Esse fundo de poço banal e massante.

Olho para cima, os raios solares me alegram,

Mas uma sombra bloqueia o caminho.

É um papel, um papel vermelho.

Sinto como se o conhecesse

De um tempo distante, talvez?

Esforço-me contra o peso da água,

Contra o peso de todo o tédio que me afoga,

E estendo a mão, pegando-o.

Ao segura-lo, a água evapora;

Ao segura-lo fortemente, o chão abre;

Ao abraça-lo, sou levado aos céus;

Encontrei o pedaço de minha alma,

O vermelho pedaço de minha alma,

Que pingava e manchava as nuvens e a terra,

Pois os versos tinham a vermelha tinta fresca

Fresca, pois nunca realmente parei de escrever.

As linhas escritas em momentos sublimes

Não tem métrica, nem rima, nem parágrafos;

Não tem pontuação, nem título, nem ordem

É cru, e é assim que deve ser, pois é assim que é

É assim que quero que seja,

E é assim que quero você me veja.

Veja-me como essas ideias desconcertantes

Veja-me como esse incomodo mal lapidado

Veja-me como uma tentativa de ser algo mais

Veja-me como um sonhador acordado

Em um mundo que não pára para ser

Pois seria muito trabalhoso e angustiante para ele

Pensar em ser algo que jamais foi.

Entendo se não quiser o papel em sua vida

Entendo se nem olhar para o vermelho gostar

Pois ele mancha, ele finca, ele atormenta

Ele é a prova do pior que você pode ser

É o vermelho do sangue que corre em minhas veias

As veias que furei e ri ao fazê-lo

Fi-lo com alegria e calor em meu peito

Fi-lo com amor e tristeza e medo

Fi-lo para que você conheça meu mundo

E possa, de vez em quando, sair do fundo.