ESCREVI ATÉ AI E RESOLVI PARAR PRA FUMAR UM CIGARRO
Cães esmagados no asfalto
com caras aflitas
pombos compartilham do
mesmo destino infame
enquanto as larvas os consomem,
posso ver suas almas partindo
e alegria em seus semblantes
me identifico com ambas
as situações
cada vez mais fácil
morrer
atropelado
assassinado
estuprado
esquartejado
infinitas formas
de partir
e cada vez mais difícil
ficar em um lugar
onde a perspectiva
já fugiu faz alguns anos.
Somos também esmagados
por elefantes de concreto
gigantes
e as larvas consomem
também nosso corpo
mas principalmente a alma.
Exércitos de cubículos
branquinhos querem
nos transformar
nos padronizar
nos colocar na linha
e muitos se deixam levar
mas que porra de linha
é essa?
Quem costura esse emaranhado
de humanos que se comportam na linha
pra forjar uma bandeira que não defendemos?
Talvez seja melhor nem saber.
Nossa vida é uma página em branco
então por que muitos insistem
em escrever o mesmo
que os outros?
Mesma roupa
mesmo cabelo
mesmos lugares
mesmo trabalho
mesma família
mesmas músicas.
Cães desalmados no asfalto quente
pombos, gatos
muitas vezes me transmitem
mais vida do que muita gente,
pois provavelmente
viveram melhor do que muita gente.
O sol marreta nossa cabeça
às nove da manhã
como se todo o resto
já não fosse uma merda
ele vem aos 40º e nos
fornece com alegria
uma sensação térmica de 50°
como não enlouquecer?
Felizes cães e pombos
e pardais, ratazanas
e gambás dilacerados
que tiveram a oportunidade
de perder o resto da história.
Vivemos sem saúde,
alimentos industrializados,
mofados, abarrotados de agrotóxicos
hospitais públicos enfeitados
com manequins de enfermeiros,
médicos, recepcionistas, todos
mal humorados. Enquanto os enfermos
são todos reais.
mensagens gravadas nos dizem,
“O cardiologista não está de plantão hoje senhor”
“Aguarde naquela sala que a enfermeira já virá tirar o seu sangue senhora”
e eles quase nunca vem, ou demoram o tempo que poderia ser
o último momento de sua vida
o último segundo, o último ar
o fim (ou começo?)
e lá estava você, se esvaindo
em uma cadeira insuportável
cercado de gente amargurada
esperando algum filho da puta
terminar um cigarro
as palavras cruzadas
uma bronha com
luvas cirúrgicas
ou trepar
em alguma sala escondida no hospital.
Não temos segurança,
apanhamos da polícia
sem motivo,
somos assaltados pela polícia,
com motivo
e os porcos fardados
morrem todos os dias
torturados pela sociedade (nós) e
por traficantes com síndrome de samurai
decapitando fulanos com katanas
mal amoladas.
Se resolvemos prender um bandido
por conta própria
somos considerados vigilantes, marginais
pela banca dos direitos humanos
que tem fetiche por acariciar assaltantes,
assassinos e outros santos:
“pobre coitado, dê-lhe uma xícara de chá
e alguns biscoitos”.
Que maravilha, não?
O mundo que eu pedi pra viver.
Puta que pariu!
Teria pena do Batman,
Se ele vivesse por aqui.
Enquanto minha cabeça
e minha mente queimam
nesse inferno
eu vejo um mar que se perde
no horizonte
e nele uma incontável
quantidade de merda
flutua com a correnteza
esbanjando graciosidade
feito um balé de bolshoi
bizarro
e lá também estou eu
flutuando,
penso:
que bela merda eu sou,
tão diferente das outras,
uma belíssima bosta exilada
mas então me atinge uma verdade
não importa o tamanho, odor, formato
textura e cor, continuamos todos
merda, seguindo e seguindo
sem nunca saber direito
para onde.
O que isso diz sobre mim?
Sobre nós?
Sobre você?
Viemos do pó
somos pó
e voltaremos do pó
estamos só esperando
uma ventania qualquer
nos levar pra outro lugar qualquer
assim como os cães e gatos,
pombos e ratos
fedendo no asfalto.