BOLSA DE MADAME
Vi meus semelhantes
morrerem pouco a pouco
tendo suas almas sugadas
e cuspidas em ralos de dentistas
enferrujados.
Senti pena, nojo e desgosto.
Toda selvageria tornar-se dócil
domada por chicotes masoquistas
“De pé, sente, deite e me ame”
gritavam os domadores pomposos
com seus cabelos empapados
em gel
e suas faces, que terror
todas com a mesma expressão
a todo instante
diferentes pessoas (podemos chamar disso?)
com os mesmos ridículos semblantes
uma expressão inexpressiva de quem
está satisfeito com a vida
sem nunca ter dado a partida
pra lugar nenhum.
Vi crocodilos transformados
em bolsas de madame
sem perceber.
Carregando channel, dior e
celulares com pedras de diamante
pra lá e pra cá,
em restaurantes granfinos
sem graça,
sendo obrigados a ouvirem histórias
de traição, pilates e homens broxas,
regadas a um champanhe caro que não
embebeda ninguém.
Vi o grande lobo da estepe correndo atrás
de frisbees com
seu rabo abanando
em troca de uns biscoitos quaisquer
com suas unhas aparadas,
dentes raspados
e olhos indiferentes.
Mijando em jornais e
recebendo carinho
de crianças mimadas
demais.
Até os pobres touros e búfalos
que impunham magnitude
e respeito
viraram malditos pôneis
em fazendas distantes
onde os mais ricos
visitam nos fins de semana
e cavalgam estas bestas
como andavam de bicicleta
aos oito anos de idade.
Será que apenas os gatos
continuam a mesma merda?
Talvez eu devesse também
seguir essa evolução às avessas,
abandonar a loucura,
selvageria e intensidade.
não existe muito sentido
ser eu
em terra de vocês. Existe?
É a extinção do instinto,
do fogo primordial.
Onde estão
os caras durões
de outrora
que bebiam cana
sem fazer cara feia
tomavam o primeiro primeiro soco
sem bambalear
e não temiam a ira
das autoridades nem de ninguém?
Vi grandes homens e grandes mulheres
devorarem pequenos homens e pequenas mulheres
apenas para ambos se tornarem
também pequenos em espírito.
Vi quedas maciças de estrelas
como rajadas de tiro
no céu do Rio de Janeiro
em uma noite qualquer
de verão,
mas ninguém desejou nada
nada além disso.
Somos todos índios urbanos
trocando nossas almas
por espelhos
com um reflexo
de tudo que
nunca quisemos ser.
Que merda