O INEXPRIMÍVEL

Eu desejo falar do inexprimível

Que me estrangula toda noite e dia

A vida passa como um sonho incrível

Não sei se é de verdade ou se é mentira

Eu desejo soltar a minha voz

Sem repetir aquilo que se diz

Lugar comum que somos todos nós

Mesmo que saia de modo descortês

Palavras são recortes feitos a esmo

Nenhuma língua cobre o mundo real

Mas a cada dia digo sempre o mesmo

Falo do tempo, falo da paixão

Contudo há cordas nesta tessitura

A ciência avança, mas faltam palavras

Como se fosse igual qualquer ternura

E assim, quero dizer e a língua trava

O silêncio me cala com um beijo

A vida faz de mim um pobre amante

Que sonha em ser poeta, mas desejo

Sentir os arrepios de um corpo quente

No começo reinava a escuridão

Só o espírito de Deus por sobre as águas

Que ele apartou da terra e construiu Adão

O seu primeiro poeta a vir do nada

Mas mesmo com seus mil anos de vida

Adão não conseguiu dar nome a tudo

Uma mulher surgiu, desinibida

E a tudo perturbou seu belo vulto

Levando seu pobre poeta pro pecado

A uma vertigem de mil novos nomes

Pois é impossível a alguém viver calado

Passando a vida sem clamor como os animais

O último grande poeta foi Jesus

Foi quem redefiniu a palavra amor

Criei um nome e não sei onde pus

O inexprimível segue sem parar

Ás vezes ele se impõe igual parede

Onde moram meus velhos ancestrais

Palavra alguma mata a minha sede

E um dia morrerei querendo mais