O HOMEM E O RIO
Ele nasceu como um filho de homem. Pequeno, frágil, sem nome. Era um pequeno filete de água, expulso de uma fenda na montanha, que ao saltar para o mundo e encarar a luz do sol, emitiu um quase imperceptível murmúrio. E esse murmúrio perpetuou-se pela eternidade. É ouvido dia e noite por todos quantos visitam a fonte daquele rio.
O rio. Nasceu no alto serra, rolou de alturas insondáveis, cavou vales profundos, contornou os mais altos penedos, pulou de altos barrancos, formou lagoas calmas e plácidas. Por todo o caminho que fez, do alto da serra até a imensa planície marítima, para se encontrar com todos os seus irmãos, o rio viveu aventuras inesquecíveis. Encarou montanhas e venceu-as, desviando-se estrategicamente delas; foi obstado por imensas pedras e enganou-as, dando a volta por trás delas. Em lugares onde o nível da terra era baixo e ele não podia correr, parou, concentrou suas forças, elevou seu próprio nível e saiu por cima. Onde as alturas eram impossíveis de ser vencidas, ele sempre encontrava um caminho por baixo, ou pelos lados, e ia sempre em frente. Em algumas oportunidades teve que ser violento e mostrar sua força. Teve que receber, em seu próprio corpo, outros rios. Teve, ele mesmo, que misturar-se com rios maiores que ele para poder seguir em frente. Cavou seu próprio leito, abriu seu próprio caminho, muitas vezes arrancando árvores pelas raízes, derrubando casas e muros, arrastando pontes e até ceifando vidas. Teve que fazer isso, pois essas coisas estavam em seu caminho, e um rio tem objetivo, que é chegar ao mar, que é /sua mãe e seu pai, e ali, depois de tantas peripécias, juntar-se aos seus irmãos, os outros rios, que nascem em lugares distantes, mas todos terminam ali, no regaço da mãe oceano, nos braços do pai das águas.
Mas, em sua trajetória, quantas vilas e cidades não abasteceu? Quantos vales não nutriu, quanto solo não fertilizou, quanta horta não regou, para que os homens pudessem tirar da terra o seu sustento? E sobre seu dorso, quantos barcos não deslizaram, aproveitando a força da sua corrente, ou a profundeza de suas águas, para levar os homens e suas riquezas de um lado para o outro, de cima para baixo, de baixo para cima? E na intimidade de suas águas não deixou ele que ali se hospedasse e vivesse uma imensa variedade de vida, que também servia de sustento para os homens?
O homem. O homem senta-se na beira do rio e medita. Sua vida é como a vida desse rio. Nasce pequeno e frágil. Vence montanhas, contorna obstáculos, cava vales e salta de enormes alturas. Atravessa campos e florestas. Destrói umas coisas e constrói outras. E só pode andar para frente. Nunca pode voltar. Junta-se com outros, recebendo-os como tributários ou integrando-se como parceiros. A sociedade dos homens e a sociedade das águas.
E um dia terá que atirar-se nos braços da eternidade, como o rio no oceano. Deixar de ser o rio para se tornar apenas parte de uma imensa massa de água, onde tudo se confunde e nada mais se distingue.
Dizem que todo rio tem uma alma. E que sua alma tem medo quando se defronta com o oceano e encara a possibilidade de desaparecer para sempre. Como o homem quando se defronta com a morte.
Mas o rio sabe que não pode voltar. Que ele tem que entrar no oceano e se misturar á imensa massa líquida. Por que ele e seus irmãos é que alimentam essa massa e é ela que garante a perenidade da sua existência como espécie. Desse conjunto de morte coletiva é que nasce a possibilidade de sua existência como indivíduo.
O homem então compreende que a vida dos rios se alimenta de suas próprias mortes. Perder a individualidade na imensidão da eternidade é garantir a sobrivência cada dia, de uma nova individualidade. E assim ele nasce e morre todos os dias. Mas nunca acaba.
Assim também são todos os homens. Rios que nascem todos os dias. Rios que se diluem nos braços da eternidade. Nascemos e morremos diariamente. Por isso sempre somos.
Ele nasceu como um filho de homem. Pequeno, frágil, sem nome. Era um pequeno filete de água, expulso de uma fenda na montanha, que ao saltar para o mundo e encarar a luz do sol, emitiu um quase imperceptível murmúrio. E esse murmúrio perpetuou-se pela eternidade. É ouvido dia e noite por todos quantos visitam a fonte daquele rio.
O rio. Nasceu no alto serra, rolou de alturas insondáveis, cavou vales profundos, contornou os mais altos penedos, pulou de altos barrancos, formou lagoas calmas e plácidas. Por todo o caminho que fez, do alto da serra até a imensa planície marítima, para se encontrar com todos os seus irmãos, o rio viveu aventuras inesquecíveis. Encarou montanhas e venceu-as, desviando-se estrategicamente delas; foi obstado por imensas pedras e enganou-as, dando a volta por trás delas. Em lugares onde o nível da terra era baixo e ele não podia correr, parou, concentrou suas forças, elevou seu próprio nível e saiu por cima. Onde as alturas eram impossíveis de ser vencidas, ele sempre encontrava um caminho por baixo, ou pelos lados, e ia sempre em frente. Em algumas oportunidades teve que ser violento e mostrar sua força. Teve que receber, em seu próprio corpo, outros rios. Teve, ele mesmo, que misturar-se com rios maiores que ele para poder seguir em frente. Cavou seu próprio leito, abriu seu próprio caminho, muitas vezes arrancando árvores pelas raízes, derrubando casas e muros, arrastando pontes e até ceifando vidas. Teve que fazer isso, pois essas coisas estavam em seu caminho, e um rio tem objetivo, que é chegar ao mar, que é /sua mãe e seu pai, e ali, depois de tantas peripécias, juntar-se aos seus irmãos, os outros rios, que nascem em lugares distantes, mas todos terminam ali, no regaço da mãe oceano, nos braços do pai das águas.
Mas, em sua trajetória, quantas vilas e cidades não abasteceu? Quantos vales não nutriu, quanto solo não fertilizou, quanta horta não regou, para que os homens pudessem tirar da terra o seu sustento? E sobre seu dorso, quantos barcos não deslizaram, aproveitando a força da sua corrente, ou a profundeza de suas águas, para levar os homens e suas riquezas de um lado para o outro, de cima para baixo, de baixo para cima? E na intimidade de suas águas não deixou ele que ali se hospedasse e vivesse uma imensa variedade de vida, que também servia de sustento para os homens?
O homem. O homem senta-se na beira do rio e medita. Sua vida é como a vida desse rio. Nasce pequeno e frágil. Vence montanhas, contorna obstáculos, cava vales e salta de enormes alturas. Atravessa campos e florestas. Destrói umas coisas e constrói outras. E só pode andar para frente. Nunca pode voltar. Junta-se com outros, recebendo-os como tributários ou integrando-se como parceiros. A sociedade dos homens e a sociedade das águas.
E um dia terá que atirar-se nos braços da eternidade, como o rio no oceano. Deixar de ser o rio para se tornar apenas parte de uma imensa massa de água, onde tudo se confunde e nada mais se distingue.
Dizem que todo rio tem uma alma. E que sua alma tem medo quando se defronta com o oceano e encara a possibilidade de desaparecer para sempre. Como o homem quando se defronta com a morte.
Mas o rio sabe que não pode voltar. Que ele tem que entrar no oceano e se misturar á imensa massa líquida. Por que ele e seus irmãos é que alimentam essa massa e é ela que garante a perenidade da sua existência como espécie. Desse conjunto de morte coletiva é que nasce a possibilidade de sua existência como indivíduo.
O homem então compreende que a vida dos rios se alimenta de suas próprias mortes. Perder a individualidade na imensidão da eternidade é garantir a sobrivência cada dia, de uma nova individualidade. E assim ele nasce e morre todos os dias. Mas nunca acaba.
Assim também são todos os homens. Rios que nascem todos os dias. Rios que se diluem nos braços da eternidade. Nascemos e morremos diariamente. Por isso sempre somos.