Toca-me

Não te aproximes mais,

fica aí,

à distância das memórias por não ser,

no limbo dos princípios,

no silêncio das coisas por dizer.

Fica,

não te aproximes mais

(de mim).

Poderás queimar-te no frio intenso da falsa lonjura,

poderás arrefecer as mãos no calor das reais aparências,

não vês...?

(Há três pelinhos brancos, a apagar-me as sobrancelhas, um enredo de atalhos a confundir-me os caminhos do rosto, erros do tempo manchando a minha pele.

E o cabelo, já não é feito do ouro antigo que a minha mãe usava ao peito, em delicada filigrana... Não, troquei-o por bijuteria moderna, de pouca dura, e brilho artificial.)

Não te aproximes mais,

fica aí,

à distância das palavras por escrever,

na fímbria dos indícios,

na certeza das coisas por viver.

Fica.

Não te afastes mais

(de ti).

Poderás magoar-te na saudade imensa da real ternura.

poderás curar-te do cómodo vício de falsas vivências,

não vês...?

(Há uma riqueza maldita, nos subterrâneos do meu ser, uma mina encantada que nunca chegarei a saber se é de ouro, de prata ou de pragas. Já me pisaram tantas vezes, que a minha pele se fez terra, os meus braços, árvores, os meus olhos, asas. Se sei voar, se te iludo azuis, lembra-te, trago por dentro ventos que os olhos não vêem, cores que ninguém inventou, restos de reconhecimento, encantos de ser próprio que ainda ninguém tocou.)

Aproxima-te, se quiseres,

vem aqui,

para perto do que há a perceber

ao alcance dos inícios,

na dúvida das coisas por saber.

Fica,

se ficar for permanecer

(assim)

respeitando os estragos como antigos livros de aventuras,

coabitando em mim sem luz nem guia, apenas por instinto de sobrevivência.

Eu sou aquela que sempre quiseste,

mas que nunca quiseste ver.

Toca-me.