A FILA ANDA

No início da madrugada de 05 de novembro de 2012

Ter que existir

sabendo que não se é...

fosse ave

fosse flor

mosquitinho

que só teria existido

por um dia...

teria sido tão bom...

jamais nenhum deles o saberia...

Seja lá como for

falar dessas coisas

é mais velho

do que a redondeza

da roda

- Eta, essa é do tempo do meu tataravô!

Fazer o quê?

Sou muito antiga

- velho é termo politicamente incorreto –

por isso só faço reflexões

que não cabem mais

em lugar nenhum

desta vida.

Ser... existir...

Se eu fosse

pouquinho, que fosse, um ser prático

e tivesse um pouco menos de dor nas pernas

não teria tempo

para ficar pensando nessas coisas

iria para a balada.

O problema é que

no “meu” tempo

balada era só

uma das formas líricas

de poesia

agora é tanta coisa...

e nenhuma delas

combina com dor nas pernas.

Ora... o gosto de nada das coisas...

só pura bobagem

das palavras...

Eu nunca teria tido essa doença

- de palavras -

se tivesse ouvido mais de minha mãe:

“Vá lavar roupa, menina!”

Isso é não é bem verdade:

Adélia Prado, por exemplo,

lida muito bem

com lavar roupas e com palavras

na metafísica concreta

de ambas, lavar roupas/ compor palavras

eu não, pobre de mim,

tão pobre de mim

pobre, que só,

de mim!

Se o Fernando

o Nandinho

o Pessoa

tivesse casado

com a sua lavadeira

quem sabe

pudessem ter sido, ambos,

tão felizes

enquanto durasse

depois,

tchau e bênção

que, como se costuma dizer

nos botecos e nas propagandas:

“A fila anda”.

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Julgas, mulher - falo contigo mesma

tu, esta que está aí, a escrever tais coisas -

que, se te coubera aí,

na estreitura desse apartamento

ou em outro qualquer lugar

a solidão continental

a solidão oceânica

com que sonhaste

com que ainda sonhas

uma espécie de

auto felicidade romântica

serias, mesmo, mais feliz?

Santa auto impostura!

Cala-te, cuida bem da tua velhinha,

agradece por vós ambas estardes vivas

agradece

com um brinde à família

e que seja sincero,sem nenhuma ironia

esse brinde,

que cada qual sabe de si

e já é muito, já é suficiente.

Afinal

“Não julgueis, para não serdes julgados”

diz o Livro Sagrado.

Trata de cuidar das dores de vossas pernas

- das da tua velhinha e das tuas -

respira fundo

e continua, minha filha.

Na noite de 04 de novembro de 2012.