Homem, homens
HOMEM, HOMENS (1976)
Este é o tal. Aqui há uma composição mais longa que tem a pretensão de mostrar aos outros alguns dados de realidade relativas ao mundo da época, num tom panfletário que apenas causa repugnância aos críticos e ao público em geral. Na verdade, quem fala, fala primeiramente para si, que é quem precisa ser convencido. Não sei porque escolhi o Rockefeller como símbolo da exploração. Tenho que pedir desculpas ao “seu” Rockefeller por isso, ele a quem que o mundo deve a gasolina que impulsiona o progresso, até hoje. Sim, o progresso, junto com as guerras, a poluição dos ares e mares, o Alasca que o diga, e os malditos juros da dívida externa que nos atrelam ao futuro limitado e ao passado de vilipêndios. Além disso, houve aquela rebelião em Áttica, a prisão novaiorquina, e um massacre histórico inédito: um Rockefeller, o Nelson?, era o governador de então que se recusou a negociar. Os americanos sentem, também, na carne, tanto quanto nós. Acho que escrevi alguma coisa sobre isso, na época, que começava assim: “Áttica, ô toca dos toma lá da cá”... Mal sabia que o Carandiru iria superar em muito o massacre em Áttica. E não escrevi nada... A violência já estava banalizada, ou eu que estava anestesiado, fazendo de conta que estava tudo bem? Enfim, Rockefeller até que não está mal escolhido. Tem uma música que fala nele: “Rich as Rockefeller”. E, ainda que reclamemos, estou para ver quem se negue a andar de automóvel para boicotar o Rockefeller. Ando também de carro, mas não consigo evitar um panfletinho, ainda que ridículo. Um panfleto, uma gazeta, uma centelha. Papel pega fogo fácil, tal qual a gasolina e o napalm dos Rockefeller. Foi assim que 1789 aconteceu..., e olha que a Bastilha era pinto perto do que viria depois. Assim, um panfleto é pouco. É muito pouco. Chega a ser ridículo de tão pouco, achar que tenha alguma importância. Então, que seja. (JL, 2001).
HOMEM, HOMENS (primeiro esboço do poema).
1-REALIDADE.
Homem, homens
mercado livre
boas colheitas
campo-de-concentração
fabricação de pão
prisão, prisão
ao redor de “crimes”
Revolução
sangue, suor, secreção
milhares de dentes
mil sorrisos, muitas lágrimas
uma faca, a carne furada
a força de um braço vezes mil.
2-PERGUNTA.
Um homem
O que é um homem?
Rockefeller é um homem
igual a mim?
Se sua cabeça
só pensa em lucros e prejuízos
e eu em juízos
sobre o homem?
3-REALIDADE AINDA.
Homem, homens
mão-de-obra
recursos humanos
músculos tendões
e palavrões.
4-TRABALHO INTELECTUAL.
Os fatos
São os fatos
Coisa diversa
É o que contamos
Dos fatos.
5-TRABALHO MANUAL.
Ei, trabalha
Trabalha
Que não és macaco
Arranca
do solo
o teu sustento
e o dos teus.
Transforma o barro
em tijolo
e o tijolo
em casa
E a casa
em vida...
6-OS TEUS.
Os teus
São os teus semelhantes
Se o teu trabalho
sustenta o padre
e o macumbeiro
alimenta o milico,
o bicheiro e o jogador de futebol
Sustenta também a mim
E também ao Rockefeller
Quem dentre nós
somos teus semelhantes?
7-UM ANIMAL.
O tigre não ataca o tigre
O tigre não ajuda o tigre
Do tigre não tenho nada a dizer
A não ser
Que é um animal.
8-UM HOMEM.
O homem ataca o homem
O homem ajuda o homem
O homem que te ajuda
É homem como você
O homem que te ataca
É animal de outra classe
É crocodilo, é tigre, é patrão?
9-MISTÉRIO.
Mistérios são fatos
Mal explicados
Verdades
Não as encontrarás
Nos rádios, jornais ou televisão
O eu se conta dos fatos
Não são os fatos
Mas pode ou não ser verdade.
10-O HOMEM É UM ANIMAL QUE BATE RECORDES.
Se entre o homem e animal
por enquanto
A diferença é pouca
Nunca é demais lembrar
Que o tempo voa
E num passar a toa
Lá estaremos
Na terra simples
Em que o maior mistério
Trivial, diário
Será do homem
A sua limitação.