Filhas do Ego
O PENSADOR
Estou com a mente cansada.
Vou me sentar, relaxar.
Ouvir uma música pausada.
Música me faz deleitar.
A IMAGINAÇÃO
Eu sou a imaginação.
Tudo por mim é criado,
Seja a maior invenção
Ou primitivo machado.
Ouvi Maysa a cantar
“Um punhado de estrelas
No infinito irei buscar
E a teus pés esparramar”.
Absorta nesse verso
Logo, logo, fui tentar,
Sem medir o universo,
Lá no infinito chegar.
Saí no mundo a voar,
Voei além das estrelas.
Apressada e sem olhar,
Passei por elas sem vê-las.
Montada no pensamento,
Depois de vôo incessante,
Esbarrei no firmamento,
Num teto muito distante.
Na última constelação
Julguei o mundo findar.
Divisei a imensidão
Sem mais o sol enxergar.
Presa num oco de bola
Como morcego num teto
Mostrou-me o lado de fora
A Razão, meu desafeto.
Empreendi nova viagem,
Novo teto me prendeu.
Abriu-me nova passagem
Nova bola me envolveu.
Uma por dentro da outra,
Siderais afastamentos.
Mesmo oco, lá se encontra,
Mesmos astros, firmamentos.
São bolas cheias de estrelas,
De galáxias, de sistemas
Movendo-se por dentro delas
Peças servis dos esquemas!
Maracas bem ritmadas,
Sincronizadas, silentes.
Redomas hermetizadas,
Vaga-lumes circulantes.
O PENSADOR
São tetos os firmamentos?
Um após outro, espaçados?
Têm fins, espaços e tempos?
Têm fins, os céus estrelados?
A imaginação é fugaz,
Curiosa, empirista.
A razão é pertinaz,
É metódica, cientista.
A Razão, com paciência,
Tudo prevê, tudo mede.
Mede toda a conseqüência,
Muito teimosa. Não cede.
Cansado de corpo e alma,
De tanta imaginação,
Hesitei, mantive a calma.
Convoquei minha Razão.
A RAZÃO
Desculpa falar sorrindo,
A imaginação é criança!
Só sabe se é feio ou lindo
Pois só matéria ela alcança.
Pensa que sabe. Não sabe.
Vive no mundo da crença
Razão que cabe não cabe
E sem matéria não pensa.
Vê o real no abstrato...
Real que nunca existiu,
Qual memória vê um retrato
Do real que um dia viu
Se de algo ela precisa,
Não sabe nem prá que serve.
Quase sempre indecisa,
Fazer algo não se atreve.
Nas coisas que ela intui,
Até nas lendas que conta,
Todo valor se atribui
Por antever obra pronta.
Se ponte, casa ou jardim,
Passa o tempo a imaginar.
Só me diz: eu quero assim,
Cabe a ti raciocinar.
Me trata como criada
Ou máquina de calcular.
A lógica é desprezada,
Chama-a só prá trabalhar.
Se gosto de matemática,
Ela de formas e cores.
Se eu cultivo gramática,
Ela estilos e amores.
Sensível a sofrimentos,
Apraz-lhe dação, esmola.
Só carências do momento,
Dispensa lar e escola.
E das formas, luzes, sombras,
Usufrui do conceber,
Paladares, bons aromas,
Se antecipam no prazer.
O infinito sonhado
Foi ver se o encontraria?
Devia ter perguntado,
Além dele, o que havia !...
O PENSADOR.
Acabou-se a discussão!
Prá Razão há o infinito!?
Sorriu a Imaginação:
Pois prá mim tudo é finito!?
Provocar a Imaginação
Sem ela levar a sério
E a Razão sem equação
Comprova grande mistério!
Infinitos, universos,
Criações, eternidades!
Cabem bem em prosa e versos.
Mesmo não sendo verdades.
Mistérios da criação !?
Céus e terras, tudo enfim !?
Imaginação e Razão
Brigando dentro de mim !?
Mistérios do infinito
E do eterno também!
Só expede o veredicto
O criador - mais ninguém.
A RAZÃO
Ele fala em criador,
Isso me deixa pasmada.
Quem criou o criador?
Foi outra cria criada!?
A IMAGINAÇÃO
Neste momento exato,
O meu coração sorriu.
Vou usar de todo tato.
O meu Deus sempre existiu.
Dizes que espaço e tempo
Não têm início nem fim?!
Pois saibas que o criador
Auto criou-se sim.
Quanta luz que há no sol!
A lua! Como é bonita!
Quantas estrelas no céu!
Obra prima! Deus não imita!
O meu Deus está em tudo,
No ar; no fogo; na terra;
No são; no cego; no mudo,
No culto; na paz; ... na guerra.
Conversa com ele. Ora.
Concentra-te bem numa prece.
Se precisares, Implora,
Se ele te deu, agradece.
Imagina uma imagem...
Fecha os olhos. Concentrou?
Uma luz, um ser, miragem...
Foi tudo Deus quem criou!
Abre os olhos. Fixa bem
Nas coisas da natureza,
Na santa vida de alguém,
Nas coisas que têm beleza.
Vai ali. Abre a janela.
Reza pro alto do monte,
Ícone, astro, luz de vela,
Lago, rio, ilha ...ou fonte.
O PENSADOR
A Razão ficou parada!?
Reação não esboçou!?
Ela pode estar errada!?
Será que se magoou!?
A Imaginação temeu
A razão aborrecida!?
Em seguida, percebeu
As implicações na vida!?
A IMAGINAÇÃO
Tenho medo de perdê-la
Vou agir com mais capricho,
Pois o Pensador sem ela
Não é gente. Vira bicho.
Eu estou muito cansada,
Eu preciso me ajudar,
Eu estou desconsolada,
Eu, agora, vou rezar:
Oh Deus meu! Por piedade!
Que será de mim agora!
Meu Deus, - és todo bondade,
Não deixes que vá embora.
O PENSADOR
Eu acabei de pensar
Eu saí dum absorto.
É hora de trabalhar,
Só descansei o meu corpo.
(Os três versos, entre aspas, são da música Hymne a l’amour
de Marguerit Monnot. Tradução de Odayr Marsano.)
//Ignacio Queiroz Julho/2002. - Edição Outubro/2004
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