ÁGUAS
Como nascem as águas
Das vertentes guardadas por detrás dos teus olhos
Também brotam dos vales entre as verdes matas
Rios, cachoeiras e cascatas
Onde vivem mariposas, sabiás e bem-te-vis
Mas a arma exposta que carregas
Empunhada em teu raso e demente perfil
É bem como uma pedra deslaçada de teu berço
A colher da natureza, o que ela para ti não produziu
Descalçando o equilíbrio desta massa
Inerte no espaço, onde teus passageiros passos
Cursam nus pela história
Ouvindo às vezes o gorjear dos pássaros
Que te encanta, e acalanta a emoção
Revigorando tua cumplicidade
Com a simplicidade de ser humano
Porém em outras vezes, tu és como uma pirâmide
Constituída sobre um rochedo
Ou uma geleira maquiavélica
Tal qual um gigantesco monumento
Assim derivado, como custódia do ridículo
Maravilhas são as beldades vestidas de seus manequins
Em trajes afrodisíacos que revolucionam
E emocionam os olhos do progresso
Mas nem tão belo é este mundo
Que caminha de mãos dadas com a inconsequência
Empunhando as navalhas da impunidade
Bem como um exuberante bloco flutuante
Perdido na imensidão do nada
Preste a se derreter, como um floco a desintegrar
Nas salivas d’um efêmero poder
Castanhas são as patas salientes que travam suas marcas
Afixando-as nesse cansado solo
Como montar em pelo um animal indigesto
A socar uma terra ardente e em chamas
Tal qual uma espinheira virtualmente entrelaçada e vil
De uma forma variada, de diferentes cores
E tampouco sutil a pele das flores
Estancando de seus poros todo néctar e sabor
Ao prazer d’uma abominável insanidade...
Quão o refluxo de um tolo reflexo
Incrustado numa mente de conceitos rebeldes
Já detonada como um míssil assassino
Regado pelo vermelho sangue
Das molestadas veias da crueldade
Feridas dissimuladas por cicatrizes
Tem como odor a cor da nostalgia
Sombreada pela dor do desengano
Mas nada jamais será tão puro
Quanto a água que brota do âmago da terra
Para alimentar a natureza e abastecê-la
Com toda sua essência, pela existência da vida!
Autor: Valter Pio dos Santos
16/Out/1986