SEM RIMA 162.- ... tecer palavras ...

Tomo do "Livro do desassossego" uma reflexão do Bernardo Soares, segundo Fernando Pessoa, ou vice-versa:

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida. Minha tia velha fazia paciências durante o infinito do serão. Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia."

(p. 45, da edição da Editora Brasiliense. pdf em domínio público)

Se não fosse ousado,

mais não diria ou apenas,

que o pensador poeta tem razão,

toda a razão. Mas, por ser ousado, digo

que sou incapaz de fazer paisagem nenhuma,

nem férias, sensacionais ou abstrativas: só escrevo

e, quem quiser, leia e mesmo se aproveite e até copie:

quando escrevo, sinto, pareço sentir

mas, contra o poeta, declaro

que não tenho febre.

Portanto,

nada meu tem importância,

nem sei fazer paciências,

nem bordar nem tricotar;

só tecer (mal) palavras...