ALGO PARA LUTAR

Ele já cansado de tantas desilusões, quase acreditando que o mundo não pode ser mudado, após esgotar todas suas forças, e prestes a se entregar, toma uma decisão. Vai até o armário do banheiro, se olha no espelho, dá um sorriso desconsolado e triste, pega um frasco com alguns comprimidos na cor laranja, e antes de ingerir, aperta a tecla do repeat de sua vida, e como numa sala de cinema, ele começa a assistir os flashes de sua vida. Aqueles momentos bons, aos quais ficou algemado, e como não aprendeu a soltar as amarras para que novas experiências viessem, cai no mesmo ciclo vicioso de sentir pena de si mesmo, por não amar a si próprio ao ponto de permitir que o tempo e a vida faça o seu papel, num gesto brusco e com lágrimas aos olhos, vira o frasco de maneira que todos os comprimidos caiam em sua boca, e num gesto forçado, engole de uma vez só, todos. Em seguida procura um lugar confortável para vivenciar os momentos finais do drama que se tornou sua vida. Pensa nos filhos, mas principalmente naqueles que ele quer afetar com este gesto, como se fosse uma vingança por não ter sido premiado com a graça da felicidade, e como se alguém fosse culpado por estar morrendo. Após algum tempo ele sente uma sonolência e desacorda. Parece simples morrer, basta tomar a decisão e então após séculos em algumas horas, ele acorda num leito de hospital, amarrado por tiras de couro aos pulsos e com muita sede e sonolência. Leva um tempo para entender que não morreu, e particularmente se sente aliviado, por não ter acontecido. Depois de algum tempo, já acordado e sereno, um médico vem lhe falar. Explica os procedimentos feitos para reanimá-lo, a lavagem estomacal, e os remédios que está tomando para combater o desejo do suicídio. Por um instante se sente envergonhado por estar diante de um estranho expondo algo tão íntimo. Após as explicações, e dizer que sua situação é estável, o médico muda o plano e diz a ele que foi diagnosticado um câncer maligno e que ele teria alguns meses de vida somente. Como num passe de mágica, vem uma sensação de medo da morte, e passa pela sua cabeça se não haveria algum procedimento que poderia salvá-lo. Fica novamente envergonhado de indagar ao médico sobre salvar sua vida após uma tentativa de tirar a mesma, então ele novamente recupera a vontade de lutar por algo que lhe querem tomar. Ao saber que irá morrer, ele instintivamente começa a lutar por sua vida. No final de dois meses ele definha finalmente, mas não, sem antes entender que sempre precisamos de algo para lutar. Seu amor pela vida foi salvo pelo seu carrasco.

RRSabioni
Enviado por RRSabioni em 28/03/2012
Reeditado em 28/03/2012
Código do texto: T3581135