Gesso
Este é um texto de Manuel Bandeira, que, sem dúvidas considero uma das coisas mais belas já escrita em lingua portuguesa:
Gesso
Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova:
- O gesso muito branco, as linhas muito puras –
Mal sugeria imagem de vida
(Embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a,
manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
impregnaram-na da minha humanidade
irônica e tísico.
Um dia mão estúpida
inadivertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles
tristes fragmentos, recompus a figurinha
que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda
mais o sujo mordente da pátina...
Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já
sofreu.