PEQUENOS TRECHOS DE UMA CRISE SEM TÍTULO
- I -
esse poema aéreo que poeto
vem d’um alto muito baixo
decaído do dossel do teto
- II -
em poesia algo é inegociável:
insistirei até as últimas consequências em “não” ter razão.
- III -
meu corpo-matéria
é de dormente de pedra
minha miséria
é a língua megera
a antiga folia séria
presa na boca da fera
a minha carne, velha...
a alma fundeia a cratera...
ninguém tem culpa:
nem eu, nem deus
nem mesmo o cio da terra
assim foi a minha vida.
decidiu ser apenas ela...
- IV -
é de se perder mais vida na vida que na poesia...
na poesia ao menos a gente só não sabe como rimar.
- V -
crise. porque nada me entra neste frio...
sou uma geleira abarrotada
de sequer meio espaço vazio
- VI -
escreve dos teus males, por que não? escreve...
escreve da lágrima a escorrer-te a pele
escreve com olhos na seda do coração
escreve do teu gelo, vem cá, escreve...
escreve do teu temor, do teu apelo
escreve teu inverno...
escreve teu gélido inferno
co’ a mesma calma que descai a neve...
- VII -
tique-taque.
as paredes à minha volta
fecham-se.
conformado, murmuro baixo
ancorado nesse imortal refúgio
mais acanhado, a cada minuto.
sou apenas esse recheio calmo,
ao fluxo direcionado, devoluto...
- VIII -
sou coragem
que não tenho
a esperança
que olvido
a bondade
que desdenho
a fé que
chafurda motivo
descrevo
do que transbordo
e desbordo erros
em irônicos acertos
- IX -
em certas poesias, os sentidos
variam de febre e estouram erisipelas.
os versos mais belos e insanos
uivam que nem cadelas.
- X -
cuidadoso, se posso
passo e repasso
(passo a passo)
até a necessidade
que ora passo
possa passar