INTERMEZZO

Neste mundo cibernético e digital eu não sou ninguém, mas é como se fosse. O que acontece comigo, acontece com muita gente. Porque os nossos pontos de vista, divagações circulam pelos blogs, facebooks, pelos Twitters como nunca aconteceu antes.

Também ao mesmo tempo, tem sempre alguém tentando aprofundar seu entendimento através de nossas pobres idéias ou viajar suas percepções nas asas de algum pobre verso que colocamos no ar.

Todos comentam sobre todos, opinam, questionam. Temas áridos como a dor, a angustia, a morte, a vida, o cotidiano passaram a circular nas mentes e a interessar, mesmo que todos nós não tenhamos a menor idéia do que sejam ou porque existem.

Alguns nos levam mais a sério do que deviam, como se o que disséssemos pudesse mudar as curvas do infinito que tangem o sofrimento humano, ou que pudessem alterar as linhas do equador da existência de cada um. Comigo não vale a pena insistir. Neste universo sou mais um perdido nos quadrantes das dúvidas, um pária como qualquer outro. Minha poesia não esclarece nada, é apenas um borrão de sonhos, no caderno da realidade.

Os caminhos da felicidade, creio, segui todos sem que encontrasse qualquer coisa digno de ser descrito. Não os procuro mais. Para ser feliz há que aprender a não ser infeliz. Eu aprendo pacientemente com os bichos do mato a me esconder das intempéries e a cantar minha alegria quando esta cessa dentro de mim. Ando pela superfície das coisas, sem se preocupar com a sua essência. Meu rosto é como a superfície dos lagos encrespado pelo vento e não revela os segredos nem os monstros que habitam minhas profundezas.

Carrego com paciência o estandarte das minhas aflições sem demonstrar nem reclamar. Meus sonhos perdidos também não os revelo. Busco outros. Eu passo pros outros que não encontrei e assim minha alma infeliz passeia nas tardes cheias de luz. Sigo a máxima de que tudo que é mal deve ser só meu e o que é bom devo repartir. Nem sempre consigo.

Às vezes fagulhas de sofrimento embalam algumas palavras e me arrastam na direção da correnteza da vida por entre pedras. Mas logo me recupero nos remansos e ali fico esperando que algum sonho me resgate. Sinto-me renascido neles ou em cada nova manha que me visita.

Tenho convicção de que o mundo foi feito para vivermos nele não para que o entendamos. Mudá-lo? É coisa para doidos! EU digo que se não podemos mudar as estações, melhor segui-las. Se não podemos mudar o curso dos rios, deixemo-los correr, se não podemos mudar o sal do mar, adaptemo-nos a ele.

Eu abro todos os dias minhas narinas para sentir o que o vento novo me traz e embriago-me as vezes com que descubro nos cheiros do futuro.

A natureza é minha amiga e me tolera como um velho cão que dorme tranqüilo na soleira da porta sem se importar com os ruídos da casa. Minha alma conhece o silencio, a noite e sabe que seus mistérios vem como mariposas entontecidas. Neste mundo, o homem tem que amar a tudo e a todos como única forma de sobreviver em harmonia e equilíbrio. Sem isso, ele vai a reboque, caindo, levantando até que um dia desapareça.

Sigo a escrever porque é como me sinto mais próximo de mim e de minha natureza , mas não tenho ilusões. Mesmo assim sigo a escrever. Escrevo também porque os desejos andam mais escassos e a imaginação é uma porta aberta que dá de mim para o mundo como um enxame de abelhas sem rumo. Muitas delas carregam meus pensamentos e mudam de direção a cada segundo desconectadas da minha realidade.

Imagina se o mundo precisasse dos meus versos para qualquer coisa. Felizmente ou infelizmente o comboio da humanidade anda mais atrás de satisfação do que de sonhos, de pecúnia do que de versos.

A cada dia eu comprovo sempre minha inutilidade e meu desacerto neste planeta cada vez mais escuro.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 10/12/2011
Reeditado em 20/07/2018
Código do texto: T3382407
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