Se eu morresse amanhã I e II

Se eu morresse amanhã – I

Se eu morresse amanhã,

mais um alimento para as bactérias da decomposição

seria sem poder reclamar;

pois é este o destino de quem deixa a vida e a solidão.

Se eu morresse amanhã,

veria do Céu ou do Inferno

o cair de lágrimas sobre minha última morada

e o sentimento seria puro e terno.

Se eu morresse amanhã,

queria apenas conhecer Deus,

pois o Diabo já está aqui na terra

praticando os maus hábitos seus.

Se eu morresse amanhã,

não conheceria o futuro que não sei ainda,

não faria tudo o que tenho a fazer,

mas seria o fim de uma angústia infinda.

Se eu morresse amanhã,

não existiria meu amanhã terreno

e minha alma vagaria solitária pelo espaço

até fundir-se com o espírito do Bem ameno.

Se eu morresse amanhã,

perdoaria todos os que me foram algozes

para não levar à eternidade a mágoa triste

dos que guardam rancores ferozes.

Se eu morresse amanhã,

diria absolutamente tudo aquilo que gostaria de dizer

de bom e de ruim a todas as pessoas

que de alguma forma fizeram parte do meu viver.

Se eu morresse amanhã,

cometeria todos os pecados carnais

que existem apenas em meus desejos secretos

para não purgar sofrimentos infernais.

Se eu morresse amanhã,

não veria, de perto, crianças nos faróis pedindo esmolas

nem a miséria alimentaria minha revolta

contra quem prega justiça, mas ao povo esfola.

Se eu morresse amanhã,

não ouviria as mentiras dos programas políticos,

não teria que amar e sofrer

e nem conviver com sociais dogmas sifilíticos.

Se eu morresse amanhã,

não teria de quem amo os beijos,

dos amigos não teria os carinhos

e nem possuiria quem desejo.

Se eu morresse amanhã,

reencontraria meus entes tão queridos

que um dia partiram deste mundo

e não usufruíram por completo dos bens obtidos.

Se eu morresse amanhã,

estaria ao lado de meu avô e meu pai, que, nos braços,

foram os primeiros a me carregar

e também os primeiros a me ensinar os primeiros passos.

Se eu morresse amanhã,

com eles, lá de cima veria toda a inevitável tristeza

de minha mãe, irmãos, irmãs e amigos;

e me entristeceria também com toda certeza.

Se eu morresse amanhã,

pediria perdão a quem por ventura vim a magoar

e que em vida não tive a humildade

de reconhecer os erros e me desculpar.

Se eu morresse amanhã,

seria apenas um corpo a mais no cemitério,

chorado por quem me conhecia e gostava

e ignorado por para quem minha existência fora mistério.

Se eu morresse amanhã,

não teria a tão desejada paz espiritual

porque não fiz tudo o que poderia fazer

e seria só um triste aborto existencial.

Se eu morresse amanhã,

seria um pássaro em pleno vôo abatido,

estrada interrompida por um abismo,

amante vitimado pelo desejo proibido.

Se eu morresse amanhã,

seria minha outra existência ainda mais sofrida,

pois a felicidade no mundo dos espíritos só é possível

quando se vive feliz nesta triste e efêmera vida.

Se eu morresse amanhã,

a morte seria a solução certa na hora errada;

e já que não sei o momento em que vou partir

quero viver esta vida até que minha hora seja chegada.

Cícero

Se eu morresse amanhã – II

Aqui dentro, por que está escuro?

A luz! Com a luz, o que aconteceu?

Não posso me mexer, estou tão duro!

E por que este cheiro de coisa que apodreceu?

À minha volta por que estas flores?

Mãe, por que tão triste choras?

Quem foi que te causou tantas dores?

Tu és mulher forte em todas as horas.

E até minhas irmãs e meus irmãos

Por que tão desatadamente chorais?

Não fazeis meus questionamentos vãos

E me respondeis o porquê de tantos ais.

Meu avô! Até meu avô de avançada idade

Até ele está aqui ao meu lado, tão triste.

Não suporto, meu Deus, tanta calamidade

Quero saber o porquê deste momento que agora existe.

Chora também a minha mulher amada

O que será que fiz para tão doce criatura

Chorar de forma tão tristemente desconsolada?

Ela não merece, é de alma tão pura!

Meus amigos e amigas à minha volta estão,

Todos tristes, lacrimejadas faces;

Testo meu pulso e não ouço meu coração,

Deus! Mais um em tantos impasses!?

Agora percebo a crua realidade,

Eu sou o motivo de toda essa tristeza

Fechado estou num esquife de verdade!

Morto, fora da vida de alegrias e crueza.

Esta vida levou-me para a morte,

Gêmea e distinta irmã sua;

Fiquei sem meu futuro, sem meu norte

E com minha imperfeição toda nua.

Mãe, irmãos, irmãs, avô, amigas, amigos,

Não chorem mais, não sou mais física matéria;

Vou cumprir no Purgatório os meus castigos

E na terra serei apenas alimento da Bactéria.

Mãe, após seguir estes caminhos

Encontrar-me-ei com o pai lá no Céu

Juntos aliviaremos teus espinhos

E não te deixaremos ao léu.

Amada, sei que por ti não serei esquecido,

Mas tentas enxergar outra luz em tua vida;

Não vivas por quem teve o destino partido

Pois assim será incurável minha ferida.

Dos amigos quero viver apenas na lembrança

Dos bons momentos que a vida oferece;

Não quero flores nem lágrimas, quero a Esperança

Que a Eternidade carinhosamente tece.

Noutra vida cumprirei minha missão

Pois esta foi fugaz e incompleta;

Simbolicamente deixo para todos meu coração

E para todos, desejo uma vida de felicidade repleta.

Deus! Por piedade, arranca-me esta mórbida loucura;

Eu sei do que pode acontecer a cada manhã

E que seria verdade o que disse nessa poesia dura

Mas não quero imaginar nada se eu morresse amanhã.

Cícero

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 01/12/2011
Código do texto: T3367379
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