DESCOBRIR A CURA DO CÂNCER

Se só porque, um dia, nasci

devo ter um natural objetivo,

dele nunca me puseram a par.

Nem me venham com bravatas

dessas d’ eu mesmo encontrar

sentidos que, em mim, de fato, não há.

(Penso - isso se nasce sabendo,

ou, desculpe, nada há a procurar)

Resta-me

gravitar pelas boas horas bastas de sem-sentido.

Rumar à direção inversa das mãos dessas ruas todas.

Perdido, busco o simples, o terrivelmente óbvio:

o convívio de quem gosto e me gosta.

Juntos vociferarmos "belas bostas" contra inimigos - até uns amigos...

(Nada passa disso, mas alivia-me a sair de dentro as maldades)

Outras conversas: sobro no que falta - ao sorrir d’ uma piada,

ao ler em voz alta um poema bem escrito

como quando janta-se uma comida palatável -

À tarde vou acalmar meus temores.

Para isso, aprendi,

bom é acariciar de escova os pêlos dos gatos.

Também sinto certo prazer em procurar um sapato

daqueles macios que não apertam os pés,

uma camiseta larga e estampada

de algodão, além d’ uma bermuda de sarja.

Insisto até onde posso.

Acordar. Depois dormir.

Não perceber-me a respirar.

Ah: transpirar amor, se ele aparece.

Ao final de muitas noites, fico-me.

Antes chaveio portas e cerro janelas se faz frio.

Só aí sonho um pouco que

brigo por emplacar algo de

suposta real importância

para esta terra estranha de aqui.

Logo à manhã do dia vindouro

a busca quase-séria passa.

Recidivo, de mim, nem lembro mais.

E a vida pendura-me de mais umas horas,

dias até sabe-se lá.

(Enquanto isso, em algum lugar desse globo,

um feliz obstinado procura a cura do câncer

para fazer perdurar por mais tempo

também gente como eu)