SE É QUE TENHO UMA LÍNGUA NA BOCA
outro inconveniente
e absurdo mundo se desvele
além de aonde este ora está:
venha permeado de bizarras alegorias
venha sem saber de ordem, lugar
venha por ganhar significado
novos verbos
de novas ações se atropelem
ao adentrarem-me bagunçados
impolutos, putos e revoltos
pelos buracos regaçados
espalhados do meu corpo
palavras recém-paridas
me avassalem
pelos vácuos dos olhos
pelo ânus
pela uretra
ouvidos, boca, narinas
entupam-me como o ar e a água
por fim
acotovelem-se em meu centro
por frases inauditas e ferinas,
façam-me muito mal
em sal de estricnina
envenenem-me
de inéditos estrondos
dos estranhos sons delas
façam ao lamaçal da minha carne
a sua pior e carniçal guerra
espedacem-me as tripas
em ripas, em quimeras
não mais me deixem
a me estar
ao meu jeito manirroto
recostado, empachado ao sofá
dessa fresquíssima sala de estar
a subverter, no papel,
essas merdas de poeminhas
de lá p’ra cá de lá p’ra cá de lá p’ra cá...
ganhei nojo de retocar a beleza
tal um maquilador de fétidos defuntos
adquiri absoluto horror
de encontrar a concisão
d’uns abestados anacolutos
apanhei terror insano
da fusão bondosa e
sensata dos correlatos sentidos
preciso
da mais absoluta convulsão
ao pressentir
o sentido vadio, erradio
e desnutrido das frases
preciso
gerar um feto ensangüentado
desse bucho virado...
preciso
de cócoras
expulsar monstros horrorosos
impoéticos
e miraculosos
desde nunca imaginados
que só estou cá ao sofá
a subverter n’alguma coisinha
distinta e esperta
essa versalhada de quinta...
de lá p’ra cá de lá p’ra cá de lá p’ra cá...
vá lá essa merda de poema
tão explicadinho de cabeça, tronco, dois pés
vá lá essa escrita certamente morta
em seu nexo inconteste...
careço descobrir
se tenho uma voz própria
(se é que há língua)