A voz do texto
“Decifra-me ou te devoro!”
Disse a Édipo a Esfinge.
Antes não tivesse Édipo
Decifrado o fatídico enigma.
Mas como este poema
Não é sobre a helênica tragédia
Deixemo-la aí como mote.
“Desvenda-me ou esquece-me!”
Diz o texto ao homem.
E para desvendá-lo
Disseca-o em classificações,
Partes, tipos, gêneros, grupos,
E outras coisas mais.
Nem assim desvenda-o ou o esquece.
“Para que esquartejar-me?
Basta ler-me!”
Reclama o texto ao seu algoz.
Mas, como os perseguidos não têm vez e nem voz
Morre o texto sem ser desvendado
Nem esquecido.
Depois de morto
E enterrado nos alfarrábios técnicos
Vira o texto objeto da arqueologia linguística.
Depois, com estardalhaço,
E às vezes com arrogância,
Nos apresentam os arqueólogos
O texto remontado
Desfigurado
Analisado
E quase nunca desvendado.
Porém,
(E ainda bem!)
O texto é a Fênix das cinzas renascida
E a cada renascimento
É possível ouvi-lo dizer:
“Felizes são os poetas,
Os romancistas, cronistas, contistas
E aqueles que não conhecem a arqueologia
Pois estes não foram contaminados
Pela petulância transvestida em saber!”
Cícero – 12-02-2011