DEZ "TEXTÍCULOS" III
- I –
EXPLICADO
Para a vida, ah, essa sim, tenho boa explicação.
Para a morte,
embora coisa muitíssimo mais simples,
tenho não
- II –
TODO O SENTIDO
Há momentos d’um vazio
Tão imensamente grande
D’uma dor tão cega
Que me fazem divisar, resplandecente,
Estonteante,
Todo o cabimento que deveras não há
- III -
POEMA DO (DES)ESQUECIMENTO
Morreram seus críticos. Todos.
Morreram seus ensaístas. Todos.
Morreram os poetas seus cupinchas. Todos.
Morreram seus amigos. Todos.
Morreram seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos.
(Importa se todos?)
Cá jaz, impressa, sua obra.
(Escrita órfã.
Ela com ela,
espichada na tipografia congelada do papel
à espera de um olhar sincero,
em busca da quentura d’um leitor ininfluenciável)
E o tal poeta, muito do desvivido,
na sua belicosa paz
prosaicamente aguarda
sua vida versejada ter tido algum sentido
- IV –
O QUE FALTA
A vida tem certo valor
Assim como a morte
Tem um nome
Que define bem
O estado
D'uma exatíssima falta
Que não define
Bem o que é isso que falta.
- V –
MAIS PARA LÁ
O poema é algo ainda mais para lá
Dos delírios culpados ou inocentes
- VI –
ESPELHO
Adoro ver-me ao espelho
A subverter em imagem esse meu descarnar lívido...
- VII –
BENDITA E AFRODISÍACA FLORA MEDICINAL
garrafada de caroba-do-mato;
saco de bruxa;
chapéu-de-couro;
salsa-de-caboclo;
néctar de abelha irapuá
e anis
: será mesmo disso que precisarei para ser feliz
se chegar lá nuns 85 anos?
- VIII –
COSTURA
Desejo é, no mundo,
O que alinhava
Escravidão e alma
O que o tempo pune
Um’apetência salva
O arroubo é imune
Ao clamor das ressalvas
- IX –
CANTO DE ARDOR
Canto este momento
: O ardor
Que de intenso amor
São os meus tempos...
Quão exitoso gozar
Destes vãos tormentos
Estes inúteis abalamentos, imensos
Feito a paixão desmedida...
- X -
COSTURANDO UM COCHILO
No azulego pueril
Do meu macambúzio ócio
O sétimo-céu íntimo, distenso,
Acolhe sequer um tom de anil
Pois já transpasso a linha
Do desvario vazio e feroz
- E sem fazer-me esforço algum -
Adentro n'um barbitúrico ilhós...