Adjetivos...
Quantos adjetivos cabem à uma mulher?
Estive a pensar sobre isto quando, depois de longos anos a escrever…
Nunca dei-me nome nenhum… Imagina! … Não neste sentido.
Mas… já dei-me sim alguns nomes. Com raiva e lúcida.
Mas nada agradável que valha a pena expor - não para mim - para quem lê.
Hoje estou com raiva!
Sempre necessitamos de adjetivos. Estamos sempre a “rotular”.
Ando farta disto! Temos esta necessidade quase involuntária - meu Deus!
Não uso técnicas para escrever… nenhumas.
Aliás, pouco as conheço. Nem gostaria de as ter que conhecer. Mas as necessito.
Se é para se ter um rótulo… melhor que seja menos desagradável.
Mas temo que este feito usurpe-me a concentração no sentimento do momento - ato da escrita
Ou que altere os resultados do sentimento sentido - ato da escrita
Nada tolha a liberdade que há entre os meus pensamentos e a ponta da minha caneta. Seria o meu fim.
Ou será que há um fim para mim… que nem comecei?
Minha pausa, minha estrofe, minha “sei lá o que”… vem da minha respiração.
Do que sinto… das batidas sempre descompassadas quando (eu?) escrevo.
Nem sempre eu concordo com o lugar onde deve ficar estático um ponto.
E eu sinto sempre muito depressa... eu não virgulo.
Não gosto de regras para escrever. Nenhumas.
Eu sinto e sei do que eu escrevo.
Não é um ponto ou uma vírgula que vai querer vir alterar esta minha respiração.
Às vezes fico aflita… nada me vem.
Mas também posso estar em qualquer lugar… nos afazeres mais pitorescos…
E ela me vem… pronta e ansiosa como noiva para o altar.
Apressadíssima por sair de mim!
Eu a obedeço. Sigo lentamente até a minha caneta e bloco.
Sento-me… respiro. E apenas a escrevo.
Ela já estava pronta! … Dentro dos atropelos de mim...
Antes mesmo de eu iniciá-la no meu modesto bloquinho.
Sou desorganizada mesmo assim. Não tenho caderninhos de flores ou borboletas.
Escrevo num guardanapo, num papel de mercado… Depende da hora do sentir.
Uma vez estraguei um documento. Me veio um trabalho e eu só tinha aquele papel.
A bolsa… naquele dia, tão desarrumada quanto a vida.
Claro… não sabia tratar-se de um documento.
Ele estava tão branquinho…de costas para mim…
Eu sempre desejo com ardor uma simples ponta de lápis… sempre urgente.
Quantos adjetivos cabem numa mulher?
Nas suas atitudes do cotidano… na sua “mulherificação”?
Em mim?... Cabem todos e nenhum – depende do meu dia.
Posso permití-los. Posso até desejá-los.
Mas prefiro a minha essência. Esta é permanente.
Os adjetivos?... Tão levianos e passageiros…
Eles são como os amores de verão… ou como o rancor entre irmãos.
Tantas vezes, mentiras sobre nós... Mesmo que bonitas mentiras…
Os adjetivos… são todos uma mentira!
Há apenas a nossa essência… só nossa e leve como uma pluma.
Ou densa e rápida… como fumaça de cigarro. Efêmera - depende.
Os adjetivos ficam “pregados”. Estáticos. Não são livres.
Eu sou. Mas eu só não sei por quê misturei-me tanto aqui...
Entre tantos pontos e virgulas ou ausências deles.
"Entretantos" adjetivos e regras... eu nem quero estar.
Karla Mello
Março de 2011