Marcas do tempo...tudo passa

Por duas vezes o câncer me mutilou.

No lugar onde outrora habitaram os meus seios

jazem cicatrizes, agora esmaecidas pelo tempo que já passou.

Independente da minha vontade, a mutilação, real e necessária, que os médicos chamam de mastectomia, marcou para sempre o meu corpo.

Marcas indeléveis,

que riscaram a carne e o espírito,

feriram o intimo de mulher

e muito ensinaram.

Morri e nasci.

Rastejei pelo lodo da alma,

tendo a escuridão como sorrateira companheira de jornada.

Perdi-me de quem realmente sou,

minha natureza indomável.

O pânico sacudiu as minhas entranhas e,

de tanto me perturbar, pensei que tivesse morrido.

Fui náufrago da minha própria vida.

Tornei-me marionete dos que pensam que sabem quem são,

o inconsciente coletivo.

A massa humana disforme

que se cobre com o véu da ilusão para não ser incomodada,

para não ver, para não sentir dor,

para não se arriscar...

Mas assim não há vida, morto-vivo é o que se é.

Pobre infeliz.

Quis ser igual a eles,

chafurdando na pequenez estagnante.

Faltou pouco para conseguir,

quase parei de respirar e quase desisti de caminhar.

A vida passou em preto e branco,

a passividade de uma atitude inexpressiva me amorteceu

e uma insuportável opressão esmagou o meu peito, a ponto de quase sufocar.

Quis sair para ver o mundo e poder respirar,

escrever para exorcizar os fantasmas e encontrar as cores da vida.

Deparar-me com as minhas tantas incertezas e

abandonar a desconfortante segurança que entorpece os sentidos e tudo acha normal.

Ensinaram-me que não era ruim ter tantos pensamentos na cabeça e o que parecia desconexo se tornou a minha força.

Precisei voltar aos meus vinte e poucos anos e aos surrados jeans,

rever a trajetória dos meus ancestrais

e compreender as suas histórias pessoais,

para conseguir retomar o meu próprio caminho.

Vivi muitos lutos,

Chorei muitas dores,

emudeci diante do vazio.

Hoje vivo a procurar quem realmente sou,

pedaços de mim que agarro para não soltar mais.

Quero ser senhora do meu destino.

Agora que retornei à saga da vida

tatuei o meu corpo duas vezes.

Ao contrário do câncer que me mutilou inopinadamente,

essas são marcas da minha real e íntegra vontade, que anseia em celebrar a vida.

A flor de lótus, pequena e delicada, pousa no meu ombro.

Ela nasce do lodo e se eleva à superfície,

em busca de evolução.

Significa que suplantei a dor da mutilação,

encontrando novos significados aos seus contornos,

transformando em beleza o que antes era só horror.

Estrada eu sou é a inscrição que está cinzelada na minha pele,

para que eu nunca mais esqueça de sair para procurar o meu próprio caminho,

a minha essência.

Porque só assim se é feliz!

Deborah Koliski Vons
Enviado por Deborah Koliski Vons em 21/06/2011
Código do texto: T3047883