Três Sonetos Esparsos
A tarde passa, branda, e uma ave rara,
Em seu bailado, dá ritmo ao céu.
O sol posto num esquife se equipara
A um morto coberto por um véu.
O mundo inteiro nessa hora pára,
Cessa de vez o humano tropel.
Minha alma é cavaleira visionária
No dorso de um transcendente corcel.
Resta no ar um místico enleio,
Uma religiosa adoração
Por tudo o que existe, e o homem diz: “Creio!”
A noite desce e com ela a escuridão,
Volta o tumulto, dessa vez sem freio,
E já não há pecado nem perdão...
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A vida arde em todas as quebradas,
Pontes, viadutos, prédios, casas tortas,
Em cujas mais de setecentas portas
Se vêem entrar as almas arrastadas.
Estoura o delírio pelas madrugadas,
Os carros parecem luzes absortas
arrastando um bando de folhas mortas
E um bando de estrelas escravizadas.
Os bares são igrejas de almas pagãs,
Na aguardente litúrgica do ofício
Que é viver, todas as almas são irmãs,
Na religião universal do vício
Que é consolo para as carnes malsãs,
Cujo interior se abre em precipício.
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À noite, atento, escuto
vozes, ecos ancestrais
que vêm do absoluto
em grandes ondas surreais.
São seres vivos num bar,
nas ruas cantando a vida,
procurando se achar
numa rua sem saída.
São vozes universais
reverberadas no vento
que vêm dos céus abismais
e resumem o pensamento
das criaturas mortais,
imortais no seu momento.
Vagner Rossi